quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

PEDRO FRANCO GUEVARA Y CRUZ

(Pedro Franco Guevara y Cruz, o espanhol
da jornalista Ruth Bolognese e de Mariana, a filha)


O amigo para quem eu não pedia conselhos, não visitava, passava tempos sem conversar, mesmo morando na mesma cidade, não tinha essa de sair todo final de semana, falar sobre futebol, perguntar como estava. Por isso mesmo, um grande amigo, porque quando vinha lá de não sei onde um aviso de saudade, quando descobria um escritor ou guitarrista que me falava ao coração, eu avisava e ele ia atrás e depois, invariavelmente, retornava para dizer que o coração de nossas almas palpitava na mesma sintonia.


Um telefonema me acordou hoje cedo (20.01) com a notícia que eu não queria ouvir, mas sabia que viria a qualquer hora. Pedro Franco Guevara y Cruz partiu nesta madrugada e eu aqui de longe, a 800 quilômetros de distância, vi o filme das lembranças acelerar enquanto chorava um tiquinho, porque para ele tinha de ser assim mesmo, discretamente, sem carro alegórico, sem batucada de escola de samba.

Este choro que estava aqui desde que ele me contou que a tal doença tinha voltado depois de um transplante bem sucedido. E fazia graça, porque sempre foi engraçado do seu jeito - e quando abria aquele sorriso onde aparecia os dentes fortes, era sempre sincero. Falei em escola de samba, porque ontem à noite no Sambódromo de repente me baixou a tristeza em algumas baladas de Elton John.

E havia um Cristo Redentor aceso no alto do morro ao lado e, no palco, de vez em quando, um céu tão estrelado como deve ser aquele em algum lugar da Espanha onde nasceu este brasileiro que aionda tem um Guevara no nome e foi, além de um grande jornalista, o criador de texto que sempre invejei, porque tão limpo, tão encaixado e, ao mesmo tempo, tão “sinfônico”, porque você lia o simples e a mente transformava em algo grandioso, inexplicável. Convivemos tanto tempo juntos na sucursal da Editora Abril em Curitiba, ele como repórter e depois chefe da Veja, que de longe, em salas separadas, dava para sentir seu drama em colocar a primeira letra na lauda - ele que ficava horas neste dilema, coçando a cabeça ou enrolando para lá e pra cá, entre o dedão e o indicador, um pedaço de durex.

Às vezes vinha um urro e o baque, quando ainda sofria ataques epilépticos. Depois, se recuperava e escrevia. Pouco, mas o suficiente para sempre mostrar que o sofrime tinha gerado uma pequena jóia, lapidada por uma cultura que o fazia gostar, por exemplo, do jeito “sujo” deste que agora chora seu encantamento. Jamais esquecerei um dos seus raros elogios. Um texto para a “Vejinha” sobre a Rua Riachuelo. Matéria de capa sobre uma das paixões que tenho em Curitiba. Ele leu, pois editava a revistinha quando nasceu, e disse ser um poema.

Conheci o “Espanhol” em 1977, quando desembarquei em Curitiba pela primeira vez. Eu tinha muito cabelo e barba. Ele também. Fiquei um mês num apartamento que ele dividia com outros jornalistas na Rua Tibagi. Naquele mês, deixei em São Paulo um menino tímido e abri a alma, o corpo e a mente para o mundo. Teria sido por causa da discreção dele? Sei que, gosto de pavonear, fui cupido no início de seu romance com Ruth Bolognese, com quem se casou (e eu estava na igreja), teve a linda Mariana, mãe do não menos bonito e inteligente Pedro, herdeiro direto.

Caí na vida, errei caminhos, ele me “roubou” duas namoradas, brincávamos a respeito disso, amamos Raymond Chandler e Steve Ray Vaughan em nossas pequenas dimensões, quando começou essa história de blog convidei-o a colaborar e ele escreveu matérias fantásticas, especialmente uma sobre a lorotagem das investigações sobre as contas CC5, aumentando minha inveja saudável. Lia este blog e, em algumas vezes, postou comentários. Alguns tão ferinos que eu sentia pena daquele a quem era endereçado. Fui visitá-lo há pouco mais de um mês. Do seu jeito, perguntou ao telefone se eu me incomodava de me encontrar com sua companheira.

Ah, Pedro Franco! Eu disse pra ele: meu filho, já me casei umas duzentas vezes depois disso. Ele riu. Estava magro, abatido, mas mostrou suas serigrafias e pinturas com o entusiasmo de quem estava feliz por descobrir-se nesta arte. Fez uma série de Cristos muito bonita. Um deles estava na cabeceira da cama. Pintou para ficar e proteger os seus. Pintou para dizer que sua espiritualidade forte, herdada, sempre esteve presente. Pintou para que eu, por mais este detalhe, não esqueça jamais que tive e tenho um amigo. Do jeito que sempre gostei e não sabia.



Zé Beto
Jornalista
(Texto e foto publicados em seu próprio Blog, no Site Jornale)

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