sábado, 21 de novembro de 2009

CENAS CURITIBANAS

O belo rio Juvevê, aprisionado.
O armário e o galho de árvore são para impedir a queda
e a morte de alguém distraído.
Principalmente, crianças.
A gente faz o que pode.
Cidadania é um bom exercício...
Cadê a tampa?!
Já procuramos.
Voou e deve ter sido carregada...

A natureza violentada, verte lágrimas do céu.
O rio, por sua vez, com muito mais água,
implode, levando tudo pela frente.
"Todos reclamam da violência das águas do rio,
que tudo carregam pela frente"
- seis carros, uma moto, diversas bicicletas,
TVs de plasma, aparelhos de som,
fotos (ah! a nossa memóra perdida às próximas gerações),
dezenas de CDs, alimentos,
móveis, tapetes... -,
"mas poucos falam da violência
das margens que as comprimem"...

As águas do rio Juvevê, em revolta,
implodem o asfalto na rua
Fernando Amaro,
querendo engolir tudo...

As águas arrancam tampas de ferro
e transformam-se em chafarizes.
Lindos e ameaçadores!

Depois, as águas quebram asfalto, arrancam pedras e...
devolvem para nós a mesma violência

Perdas e danos... Não foram poucos...



Um desfile inusitado da reboques,
cada qual de uma seguradora diferente,
com promessas de soluções...




O novo ponto turístico da cidade...

Cenas inacreditáveis e tristes...

Dentro de casa, uma das entradas do rio Juvevê...
- aqui, há duas.
Pena que essas águas estão sujas,
carregadas de lama e contaminadas.
Mas como a minha cadelinha labradora
não entende nada de epidemiologia,
ela adorou o novo rio dentro de casa.
E nadou.
Afinal, estava mesmo muito quente...

Curitiba, cidade modelo;
Curitiba, cidade de primeiro mundo;
Curitiba, cidade ecológica.
Tão ecológica que há rios

e cascatas
dentro de suas casas...
Como diz o poema de Fernando Pessoa:
"navegar é preciso; viver não"...

“PRESENTE”

O jornalista
e querido amigo
Zé Beto,
em foto do Site
images.google.com.br,
publicou em seu
Blog o seguinte:




A jornalista Vania Mara Welte, que pertence à categoria anjo, mora num condomínio na rua Fernando Amaro, no Cristo Rei. Hoje ela acordou com o carro embaixo d’água, na garagem. Não foi só o dela - mais cinco veículos estavam submersos. A rua foi interdidata de manhã. Vania faz aniversário hoje. Que presente!

4 Comentários para ““Presente””

1. Vania Mara Welte Diz:
20 nov 2009 - 18:57

Querido Zé Beto



Bem que eu gostaria de ser anjo, assim não precisaria de carro, como instrumento de trabalho, e poderia voar para onde desejasse. Além de tudo, sou meio doida porque tentei, inúmeras vezes, retirar o meu carro da garagem quando a chuva iniciou e o rio Juvevê começou a fazer cascatas na rua em que moro, descendo pela garagem e entrando em todas as nossas casas.

Só desisti, quando dentro do carro, senti a água quase bater em minha cintura e percebi que já começava a navegar naquele novo reservatório de contenção de cheias do Alto da XV.

Naquele momento, agradeci a Deus por ter me dado o carro em tantos anos de viagens e trabalhos maravilhosos. Eu me despedi dele. Chorei e vomitei. Penso que despejei fisicamente toda a minha indignação.

Entrei em casa e vi sofá, tapetes, livros, o triciclo de meu neto, entre outros objetos, tudo… boiando.

Procurei pela minha labradora linda e branca. Ela estava assustada, escondida embaixo da mesa. Eu a chamei e disse: querida, eu não tive tempo para construir uma arca, não. Mas você adora água. Aproveite e nade. Venha. Nade. E ela saiu debaixo da mesa, nadando. Depois foi se abrigar na parte superior da casa. E lá ficou solidária e quietinha.

Mas, anjo mesmo são os meus amigos e vizinhos João Ortega, Lucilene, Mara e Fabiano. Assim que a chuva serenou, com dezenas e dezenas de baldes de água, vassouras, rodos, panos e muita generosidade eles me ajudaram a retirar a lama, a água e a sujeirada toda, madrugada adentro.

Anjos são também os amigos que me deram apoio como você, Ruth, Laura, Israel, Sandra, Isa, Théa, Joka, Lia, Hélio, as Marisas, as Marias, Jony, Peterson, Índia, Márcia, Márcio, Ricardo, as Cláudias, Aírton, FredSSan, Vera, Beatriz, dona Celina, Toninho, Mirella, Eduardo, Franklin e Zeca, meu irmão-gêmeo astral que comemora aniversário comigo.

A minha gratidão e abraços fraternos a todos vocês

2. ABDALLA Diz:
20 nov 2009 - 21:20

Vania, feliz aniversário.
E o carro? bem, o carro deixa pra lá…
e bola pra frente


3. Pé Vermelho Diz:
21 nov 2009 - 08:22

Mesmo náufraga, Vania escreve prá caraio. Essa descrição do seu dilúvio quase particular, deveria ser lida na tribuna da Câmara, constar em seus Anais (epa!) e encaminhada ao Prefeito para providências. Mas não para providências ao custo de insuficientes e insignificantes 750 contos. Beto, taí uma oportunidade prá você se eternizar no coração curitibano: obras consistentes, definitivas e futuristas de prevenção e contenção de enchentes, alagamentos. Ei, onde você está? Ah! Em Umuarama…

4. Laura S. Diz:
21 nov 2009 - 12:15

Zé, ela á anjo sim, e da categoria Cupido. E eu e o Israel sabemos bem disso. Beijo para você Vania!!!!

NOTA DO BLOG:

É maravilhoso ter amigos! Aliás, é a nossa riqueza nesta vida. E eu tenho um enorme e precioso tesouro: vocês, meus amados amigos e, entre eles, alguns afilhados de casamentos. Aliás, adoro unir pessoas lindas, alegres, talentosas e generosas, como Laura e Israel, para serem mais felizes.

Gratíssima.

Beijos;

VMW

PS.: Eu apenas quero acrescentar, no relato que fiz, o seguinte: antes de sair do carro, que já começava a boiar, ouvia o meu amigo e vizinho, o poeta e escritor Hélio Nielsen gritar: "Vania, saia! Saia! Vania, saia! Saia! "

Eu notei o desespero dele e pensava que me incentivava a tentar salvar o carro. Quando ele me viu sair de dentro do carro, gritou: "Vania, você queria morrer afogada?! Não ouviu eu gritar, desesperado, para você sair?!"

- Hélio, me desculpe, eu interpretei errado.

Então, ele me cumprimentou pelo aniversário, nos abraçamos e rimos muito.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A FÁBULA DO PORCO-ESPINHO






Durante a era glacial, muitos animais morriam por causa do frio. Os porcos-espinhos, percebendo a situação, resolveram se juntar em grupos, assim se agasalhavam e se protegiam mutuamente, mas os espinhos de cada um feriam os companheiros mais próximos, justamente os que ofereciam mais calor.

Por isso decidiram se afastar uns dos outros e voltaram a morrer congelados, então precisavam fazer uma escolha: Ou desapareceriam da Terra ou aceitavam os espinhos dos companheiros.

Com sabedoria, decidiram voltar a ficar juntos.

Aprenderam assim a conviver com as pequenas feridas que a relação com uma pessoa muito próxima podia causar, já que o mais importante era o calor do outro.

E assim sobreviveram.


Moral da História


O melhor do relacionamento não é aquele que une pessoas perfeitas, mas aquele onde cada um aprende a conviver com os defeitos do outro, e admirar as suas qualidades.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

"UMA BURCA PARA GEISY"

Geisy Arruda com a trupe do Casseta e Planeta

Nesta segunda-feira, 16, a estudante Geisy Arruda
gravou uma participação com a trupe do
" Casseta e Planeta, Urgente", da Globo,
e fez a alegria do povo no Projac.
Até Fiorella Mattheis e Geovanna Tominaga,
apresentadoras do "Vídeo Show", tiraram fotos com Geisy.
"Geisy no Projac fazendo ponta com o vestido do escândalo!",
escreveu a loira.
A outra mensagem foi bem parecida:
"Geisy bombando no Projac". A cena no " Casseta e Planeta" está prevista
para ir ao ar nesta terça-feira, 17.
Na sequência, a loira aparece como estudante da "Uniburka",
uma universidade onde todas as alunas usam burka.
Para quem não sabe do caso (se é que isso seja possível),
Geisy sofreu descriminação séria na Uniban
por causa do vestidinho rosa, que era "curto demais",
segundo outros alunos.
A loira foi chamada de várias coisas e
chegou até a ser expulsa da instituição.
Sobre gravar com os "cassetas",
Geisy declarou que foi "uma experiência única".
"Adorei! Sempre fui fã dos cassetas.
É um humor muito inteligente", disse.

(Texto reproduzido da TV Globo)


"UMA BURCA PARA GEISY"


Poesia de Miguezim de Princesa,
publicado no site do jornalista Claudio Humberto


Quando Geisy apareceu
Balançando o mucumbu
Na Faculdade Uniban,
Foi o maior sururu:
Teve reza e ladainha;
Não sabia que uma calcinha
Causava tanto rebu.

II
Trajava um mini-vestido,
Arrochado e cor de rosa;
Perfumada de extrato,
Toda ancha e toda prosa,
Pensou que estava abafando
E ia ter rapaz gritando:
“Arrocha a tampa, gostosa!”

III
Mas Geisy se enganou,
O paulista é acanhado:
Quando vê lance de perna,
Fica logo indignado.
Os motivos eu não sei,
Mas pra passeata gay
Vai todo mundo animado!

IV
Ainda na escadaria,
Só se ouvia a estudantada
Dando urros, dando gritos,
Colérica e indignada
Como quem vai para a luta,
Chamando-a de prostituta
E de mulherzinha safada.

V
Geisy ficou acuada,
Num canto, triste a chorar,
Procurou um agasalho
Para cobrir o lugar,
Quando um rapaz inocente
Disse: “oh troço mais indecente,
Acho que vou desmaiar!”

VI
A Faculdade Uniban,
Que está em último lugar
Nas provas que o MEC faz,
Quis logo se destacar:
Decidiu no mesmo instante
Expulsar a estudante
Do seu quadro regular.

VII
Totalmente escorraçada,
Sem ter mais onde estudar,
Geisy precisa de ajuda
Para a vida retomar,
Mas na novela das oito
É um tal de molhar biscoito
E ninguém pra reclamar.

VIII
O fato repercutiu
De Paris até Omã.
Soube que Ahmadinejad
Festejou lá no Irã,
Foi uma festa de arromba
Com direito a carro-bomba
Da milícia Talibã.

IX
E o rico Osama Bin Laden,
Agradecendo a Alá,
Nas montanhas cazaquistãs
Onde foi se homiziar
Com uma cigana turca,
Mandou fazer uma burca
Para a brasileira usar.

X
Fica pra Geisy a lição
Desse poeta matuto:
Proteja seu bom guardado
Da cólera dos impolutos,
Guarde bem o tacacá
E só resolva mostrar
A quem gosta do produto.


NOTA DESTE BLOG:


Diante de dificuldades e injustiças,
a nossa sábia avó paterna sempre
tinha algum conselho para nos dar,
além de ombro, colo amigo e generoso.

Os conselhos dela podem ser comprovados
no caso da jovem Geisy Arruda.

Nossa amada avó, sempre nos dizia:
"quando nos fecham uma porta,
pode ter certeza, Deus nos abre portões".

Ou ainda:
"quanto mais me batem, mais forte eu fico".

Vovó, que Deus a tenha!
E para Geisy vida longa e saudável!


VMW

domingo, 8 de novembro de 2009

POESIA PURA: AS VELHAS E AS VELAS

(Foto extraída do atuleirus.weblog.com.pt)

(Foto do Site www.studiobobs.com.br)

Anos atrás, escrevi um poema
que falava sobre velas (embarcações).
Era de manhã.
Na hora do almoço peguei carona
até o centro com minha amiga Vania
e comentei o texto com ela.
Ao saltar do carro, ouvi-a gritar:
"felizes não são as velas, são as velhas!"
E foi rindo com o trocadilho,
coisa de Vania Mara Welte.
Aquilo ficou girando na minha cabeça.
À tarde, depois do trabalho feito,
voltei ao tema de velas e, agora também, de velhas.
Permita-me colocar aqui
os dois poemas, siameses.
"As velas" (I), "As velas" (II)

Zeca C. Leite

As velas (I)

Ao largo de mim passam as velas da vida
de cores fortes e outras esmaecidas,
algumas mais lentas e outras velozes
levando pessoas com os rostos voltados
para mim e para o outro lado,
onde é sempre entardecer.
Agita-se o mar, tem hora,
mas no mais das vezes
é sempre manso e amigo
e as pessoas estão felizes e calmas.
Essas pessoas não me vêem
e eu sempre imagino que por lá,
nessas embarcações,
os dias despertam e anoitecem
com uma música que nunca ouvi.
Mas eu não sei...
Eu fico a olhar o largo
e as velas da vida que passam por mim.


As velas (II)

Não, não são as velas brincalhonas, nostálgicas
e donas do mistério de manter a luz dentro da noite
e das pupilas do silêncio que são as mais felizes.
Não, elas não o são.
São felizes as velhas que estão nessas cadeiras
antigas e nuas a balbuciar ave-marias centenárias
e quase sem lembranças.
Essas mulheres que trazem no rosto o desalinho da vida
conhecem o gosto da felicidade e o profundo das noites,
o sabor amargo da solidão e o doce dos amanheceres,
apesar de tudo.
Elas sabem de quantas lágrimas compõe-se a vida
e o armazenamento dos sorrisos
que o coração consegue guardar;
inventaram canções de ninar para pequeninos,
ao lume dos lampiões, deitaram roupas molhadas
em capim na beira de rio, correram de chuvas e vacas,
de cães e saci-pererê.
Esperaram pelos homens e canções,
dormiram depois do amor feito,
descobriram-se dos acolchoados
e costuraram travesseiros com cheiros de marcelinha.
São felizes essas velhas que dialogam
com a morte e os mortos, despertam de madrugada,
ressonam sem medo algum, caminham serenas (sem pressa)
nos peitos que nunca vi.
Não são as velas, donas das luzes de ouro,
as mais felizes da noite, parodiando bocejos do sol.
Digo-lhes, portanto, que felizes não são as velas,
são as velhas que estão assim, rindo loucamente,
a brincar de roda com a loucura da vida.

Zeca Corrêa Leite


NOTA DESTE BLOG:


Amado, talentoso e premiado amigo.
você é o midas da magia
e da emoção dourada.
Em qualquer cantinho de poeira,
você põe bocejos de sol...
Lindo, como tudo o que
sai de sua mente e coração.
Mais uma vez, grata pelo seu afeto
e delicadeza.
Beijos, com imenso carinho;

Vania Mara Welte

PS.: Zeca, querido,
este espaço
é todo seu e de todo o talento que,
aqui, quiser e couber...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

DE AMOR INCONDICIONAL

Oi,genti! Oi, tia Vania! Cheguei!
Podem me amar, podem me amar...

Olha só o meu papai Luciano dormindo e babando ao meu lado.
Só porque eu sou a cara dele...

Xaimin, nos braços de vovó Cecília Romão

Oi titia Vania Mala Veuti,
eu xô o Xaimin... Mulilo...
exa é a minha calinha...
eu inda xô nene...
to me pesentando po vuxê!
qué se minha miguinha?

Un bejo po vuxê...

Espela mais um puquinho...
e titia Lilia vai isquevê maise coisa.
Ela é a titia maise linda do mundo...

Saimin

Para Vania Mara Welte

A história do "Pequeno Muro"

Capítulo 1

Ninguém entende o que é "Saimin".
Então, agora, eu vou explicar...
Sai min, pra min...
é pequenininé lindiné tudin...
tudin de bomé um anjin...
que os outros anjinhos abençoaram...

Querido Murilo...
pra min,
Sai min...
Meu pequeno murin...
Ninguém entende o que é "pequeno Murin".
Então, agora eu vou explicar...
Pra mim... murin...
que separa a tristeza, e me deixa só do lado da felicidade...
que separa o mal, e me deixa apenas do lado do bem...
do bom... do sim...
Saimin... pra min
Seja bem vindo ao nosso mundin...
meu pequeno e querido Saimin
Eu te prometo amor eterno...
Todos os dias...
E quando você crescer,
e me perguntar,
essa vai ser a forma de te contar que,
mesmo distante,
todos os dias,
você estava perto e dentro do meu coração.
Da sua tia Lilian Romão

Nota deste Blog:

Abraços, com imenso carinho e alegria à toda a família.
Que Xaimin tenha muita felicidade, saúde, amor e sucesso, como a irmãzinha.
Mas devo dizer: Lilian Romão é a titia mais metida e convencida deste mundin de Deus!

VMW ( a sua outra titia que o ama muitíssimo, a Mala Veuti, sabe?!...)

A BARCA DO NOÉ

Acima, na foto de Rodolfo Büher, Noé Querino,
com ilustração de Felipe Lima


Os delicados, ricos e profundos textos
de José Carlos Fernandes
são publicados, na Gazeta do Povo,
às sextas-feiras







(Foto do portal rpc.com.br)
jcfernandes@gazetadopovo.com.br

Há oito anos, o catarinense Noé Querino, 39, faz quase tudo sempre igual. Deita o morto na mesa de alumínio e lhe injeta conservantes na veia. Espera eternos 15 minutos. Mira no relógio. Tem duas horas, não mais. Avia. Aspira líquidos pela virilha e reduz os inchaços. Passa o fio na agulha então. Se foi morte matada, costura as cicatrizes, com nó bem dado na ponta. Se for morte morrida, massageia para que não sobre na face lembrança da hora final, para que a morte lhe pareça leve.

É da missa a metade. Com pinça, extrai pêlos do nariz e das orelhas de quem jaz. Corta e ajeita os cabelos em coque, se assim manda o formulário. Banha o morto com água a rodo e bons cheiros, “como muitos não tiveram em vida.” Pinta-lhes as unhas e, com pós de mulher apaga o esverdeado da tez. “Parecem estar dormindo”, é o que diz. É o que dirão, ele sabe.

Tudo faz em quase silêncio, pois é o certo. “Os mortos ouvem”, avisa. Palavra, só mesmo para pedir desculpas aos que partem – pela sutura que fere, porventura pela mão pesada, por não poder fazer mais nada, pois para a morte não tem remédio. Tempo esgotado.

Noé já chegou a fazer sete tanatopraxias num dia, um purgatório. Mas não lhe perguntem histórias, nem a fórmula do Tanafluído Arterial PA-14, ou o que lhe faz chorar. Podia falar do eletrocutado, a quem devolveu a cor – um alento para a viúva. Da adolescente atingida por um caminhão, das tarefas a mais difícil – deixou a família sem voz. Do morador de rua que transformou num rei. Podia talvez falar da sua única condição para permanecer no ofício: jamais ter de consertar o corpo de criança, triste que é.

Mas para quê tanta conversa? Noé é do tipo que não leva nada para casa. A mulher e o filho nem especulam o que fez do dia, pois já sabem que o homem vai seguir embelezando os defuntos, que o que faz é missão e que não se fala mais nisso. Amanhã, ele vai cruzar os paralelepípedos do Centro Velho, desviar de algum bebum, de uma vítima do crack, e bater ponto no serviço: “Sou tanatopraxista, trabalho na Funerária São Francisco. Fica na frente do Jokers. Sabe onde é?” E la nave va.

De todas as fábulas do Antigo Testamento, a da Arca de Noé é a mais bela. Que me desculpem o Moisés, a cestinha e o Rio Nilo. Qualquer chuvinha mais forte, falamos do dilúvio, como se tivéssemos ajudado a embarcar um casal de girafas, empurrado rinocerontes pela bunda. E se aparece o arco-íris, mais do que do pote de ouro, ou do movimento LBGT, é de Noé que lembramos. Meus conhecimentos teológicos estão com data vencida, mas se a Bíblia tem mesmo razão, somos todos filhos de Noé. Puxamos a ele no amor aos bichos, no gosto por viajar e no medo de trovoada.

A propósito, li na Wikipédia que Noé significa “descanso, alívio e conforto”. Tem a ver com o Noé Querino, o Noé de Imbituba, SC, o filho do coveiro. Foi criado atrás do cemitério. De piá ajudava o pai nos sepultamentos. Mas como queria ser motorista de ônibus, mandou-se para Curitiba, onde 1.910 coletivos e 2,3 milhões de passageiros eram diversão garantida.

Mas quis o destino que aqui Noé virasse chofer de carro fúnebre. Aceitou a sina com a serenidade de um patriarca. E que se tornasse tanatopraxista. É para poucos. Num dia tem o morto por tiro. Noutro o morto por machado. Tem sempre o morto por dor. Poucos são os que se vão como um passarinho.

Diante dele, a gente até se benze e reza. “Deus do céu, que a vida me seja longa. E que Noé me conduza à barca do céu – barbeado, cheiroso, com a cara dormida de domingo de manhã. A calça é jeans. A camisa é marrom. Quero chegar de sapatos e com cabelos na cabeça. Amém.”


(Texto do latentoso jornalista e querido amigo, José Carlos Fernandes, veiculado no Jornal Gazeta do Povo)

domingo, 1 de novembro de 2009

NOSSA CASA HABITADA






A vida, nossa casa habitada.

Os gestos são mobiliários,
pequenos objetos que vamos colocando
num cômodo e noutro,
enfeitando a sala,
predispondo em fileiras na cozinha,
guardando no armário do banheiro.

Os ganhos de cada dia são como as flores
que nascem como por encanto,
sem terem sido plantadas,
ervas daninhas, abelhas no pé de limão,
formigas em torrão de açúcar,
distraídas horas do entardecer.

Nossa casa habitada, a vida.
Os tropeços que a gente dá,
rachaduras na parede,
curto-circuito, canos entupidos,
goteiras da torneira.
E tudo se recupera:
janela emperrada,
reboco mal-feito,
portão que não abre,
relógio parado.

Sem querer a gente vai que vai
atulhando de lembranças
os porões nem sempre visitados.
E quando se visita,
ah, meu Deus do céu,
quantas históriasde delicadezas e dores,
páginas que não foram viradas,
tempos que insistem em não morrer…

Ali, em meio à agonia,
os mortos reescrevem arremedos de suas vidas.

E assim a casa vai se atulhando
de cristais e pratarias,
pedaços de tecidos,
horas em fragmentos,
corredores nascidos do peito.

Até que vem o dia:
o soalho encerado,
a mala pronta,
nada fora do lugar.
A Eternidade chega e habita a casa.
Lá fora, a vida continua a enrolar o novelo,
queixando-se do muito que ainda tem por fazer…

(Poema do talentoso e sensível poeta, jornalista e amigo, Zeca Corrêa Leite)

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

AS PRIMAVERAS








A primavera, nas fotos acima, no olhar de VMW













A primavera nas duas fotos acima, e nesta de Maria Isabel,
no olhar de Théa Tavares

Vejo os arbustos de primavera
E lembro-me de Maria Izabel.
Ultimamente, tenho visto montes deles
Enfeitando os jardins das casas do Ahú,
Do Bom Retiro e do São Lourenço.

Ao longo desse meu ‘caminho da roça’,
A visão das simpáticas primaveras me remete
Aos canteiros e lavouras da agricultora Maria Izabel,
Que vive lá no interior.

As primaveras florescem nesta época do ano
E sua variedade de tons lilases,
Em contraste com o verde escuro das folhas,
Traz-me à lembrança os retalhos e fuxicos
Do tapete da varanda de Maria Izabel,
De onde se pode sentir o aroma das flores,
Dos pomares, da grama aparada,
Da comida sendo preparada no fogão à lenha
E ouvir o barulho das criações no potreiro.

Lembro também da paciência e do carinho
Com que Maria Izabel cuida das suas primaveras;
Do mimo em proteger as flores
E do ciúme infantil que demonstra diante
Do toque de mãos mais afoitas e desajeitadas
Sobre suas primaverinhas.

Ela limpa bem o terreno em volta das plantas
E o cerca com as pedras mais bonitas
Que retirou do solo da horta.
Até as galinhas que ciscam por tudo
Não se metem a bobas com as primaveras de Maria Izabel.

Quanta lembrança boa
A simples imagem de arbustos de primavera
Nos jardins da cidade grande pode despertar!

Embora nunca tenha visto
Nenhum dos moradores dessas casas
Do Ahú, Bom Retiro e São Lourenço,
Agradeço em silêncio por terem plantado
Esse pedaço de natureza no caminho
Que faço para ir ao trabalho.

Ensaio um sorriso que lhes alcance
E que devolva a eles o prazer
Que eu senti ao lembrar
Do gosto que tem o chimarrão
Sorvido na companhia de Maria Izabel,
Enquanto ela conta suas histórias
E alimenta o fogo com um galho
Que o vento furioso da semana passada
Derrubou no quintal.


(Poema/presente para este Blog de, minha querida amiga e talentosa jornalista, Thea Tavares)


domingo, 25 de outubro de 2009

CENAS ESPARSAS




























Na observação ...
a lente colhe
flores, cores,
carinho, amor, birra,
curiosidade, admiração,
alegrias, sorrisos..
cuidados, enfim... vida...


VMW