sábado, 25 de dezembro de 2010

FELIZ 2011 !

É tempo de recomeço,
de luzes, de limpar gavetas,
de curar feridas, esquecer cicatrizes,
guardar lembranças boas,
curtir a família, o grande amor,
olhar a beleza que há em volta,
abraçar amigos,
aproveitar a vida ao máximo e em felicidade plena.

Afinal, há um Novo Ano!


Feliz 2011!

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

BOAS FESTAS


Espero que, desta vez,
o Papai Noel
seja compreensivo, tolerante, competente,
eficaz, eficiente e ágil.

E prometo me contentar só com esses singelos pedidos.

VMW

FELIZ NATAL !

E UM FANTÁSTICO 2011 !

PARA VOCÊ E SUA FAMÍLIA!


domingo, 5 de dezembro de 2010

AMB - SOB NOVA DIREÇÃO

Desembargador Henrique Nelson Calandra,
presidente eleito para a Associação
dos Magistrados Brasileiros (AMB),
em foto de Pedro Serápio,
do Jornal Gazeta do Povo

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) elegeu, na última sexta-feira, seu novo presidente: o desembargador Henrique Nelson Calandra (foto acima), do Tribunal de Justiça de São Paulo. Calandra encabeçou a chapa Novos Rumos, que venceu por uma margem de cerca de 5% a chapa AMB com Você, comandada pelo juiz maranhense Gervásio Santos. A nova diretoria eleita, que ficará à frente da AMB durante o triênio 2011 / 2013, tomará posse no dia 16 de dezembro. “O Bra¬¬sil precisa de um Judiciário de cabeça erguida. O Brasil precisa de um Judiciário independente. É esta a nossa luta: resgatar a auto-estima dos magistrados, que está depositada lá no fundo do baú. Vamos abrir esse baú, mostrar a verdade, mostrar que o juiz e a juíza brasileira são gente que faz”, disse Calandra, que substituirá na presidência da AMB o juiz pernambucano Mozart Valadares Pires.


(Texto extraído do Jornal Gazeta do Povo, veiculado na sexta-feira, 03.12.2010)

sábado, 4 de dezembro de 2010

A JOVENS EXEMPLARES


 

Aos meus amigos, amigas e colegas do Curso de Direito
do Centro Universitário Campos de Andrade – Uniandrade –
que venceram mais uma etapa de estudos pesados,
dedico o texto abaixo para reflexão e
também porque reconheço, aqui,
uma turma coesa, guerreira e
disposta a absorver todo o saber possível.

Eis aqui uma turma ímpar.
É feita de jovens e nem tão jovens,
cada qual com a sua trajetória de vida.
Pessoas íntegras, que trabalham, lutam e,
mesmo cansadas e exaustas, estudam
em período noturno para, um dia, fazerem a diferença.

Parabéns a todos!
São vencedores!
Boas férias!

Tenham excelente descanso.
Mas sem nunca abdicar, como Sócrates,
de suas próprias convicções e sem jamais se deixar corromper.
Abraços fraternos;

Vania Mara Welte



DISCURSO DE SÓCRATES EM SUA DEFESA


"Sócrates é uma dessas figuras imperecíveis da história, que vai além de sua vida terrena e se torna um símbolo à humanidade.

O homem de carne e osso, o cidadão ateniense, nasceu no ano de 469 a.C.

Sócrates foi condenado à morte, bebendo cicuta, no ano de 399 a.C.

Ele criou, em torno de si, uma escola (no sentido intelectual e não material do termo) a qual acorriam os jovens atenienses que se interessavam pela busca do conhecimento filosófico. Um destes jovens era Platão, seu principal discípulo, e a quem devemos o registro escrito do pensamento de Sócrates: Os Diálogos.

Filho de uma parteira, associam o seu método de pensar e ensinar, ao processo de parto: ajudar a natureza a dar a luz à criança.

Sua forma de ensinar, pelo constante questionamento das afirmações e da busca do seu significado, a partir de indagações intelectualmente provocadoras, equivalia ao processo de ajudar a natureza do discípulo (sua mente) a extrair, de dentro de si mesmo, o conhecimento verdadeiro.

Em outras palavras, “um parto espiritual”. Trata-se da maiêutica Socrática.

Sócrates ensinava pelo uso da palavra falada. Não deixou nada escrito. Seus discípulos, sobretudo Platão fez isso, ao expor e desenvolver as idéias do mestre. Sócrates foi imortalizado pela obra de Platão, e por sua morte resultante de julgamento público, pela acusação de:

“Corromper as mentes dos jovens e acreditar em deuses de sua própria invenção, ao invés dos deuses reconhecidos pelo estado”

É no diálogo platônico denominado Apologia, transcrição da defesa de Sócrates, que se encontra uma detalhada descrição da forma como vivia e das convicções que possuía.

A morte de Sócrates causou uma marca profunda em todos os seus discípulos porque, ao rejeitar qualquer concessão ou acordo, deu o exemplo pessoal, confirmado por sua morte, de um pensador que levava a coerência intelectual tão a sério que estava disposto a morrer, para dela não abdicar.

Conta-se que Aristóteles (que foi discípulo de Platão) estando para ser preso em Atenas, fugiu da cidade. Questionado por sua atitude, totalmente oposta à de Sócrates, ele teria respondido:

- Não vou permitir que se cometa um segundo crime contra a filosofia.

O trecho do discurso de defesa, transcrito aqui, foi, então, extraído da Apologia.

Nele, as palavras com que aceita a condenação à morte, são em si mesmas a maior evidência da sua grandeza ética e do seu gênio.

Pelas circunstâncias da morte (sacrifício imposto por sua própria consciência), assim como pelos diálogos platônicos, onde seu pensamento é exposto por ninguém menos que o genial Platão, Sócrates permanece, de 469 a.C. aos nossos dias, o alicerce sobre o qual se edificou, ao longo dos séculos, o edifício da cultura ocidental.

Sócrates era um pensador que levava a coerência intelectual tão a sério que estava disposto a morrer, para dela não abdicar."

O DISCURSO


“Bem cavalheiros, em troca de uma pequena economia de tempo, vocês vão ganhar a reputação e a culpa, da parte daqueles que desejam desprestigiar nossa cidade, de ter imposto a morte a Sócrates, aquele ‘sábio homem’. Por que essas pessoas que querem vos difamar, vão dizer que eu sou um sábio, ainda que eu não o seja.

Se tivessem esperado um pouco mais, conseguiriam o que querem pelo curso natural das coisas. Vocês podem ver que estou avançado em anos de vida, e próximo da morte. Digo isso não para todos vocês, mas sim para os que votaram pela minha execução, e eu ainda tenho algo mais a dizer a eles.

Sem dúvida pensais que fui condenado por falta daqueles argumentos que eu poderia ter usado, se eu pensasse que era justo não deixar nada por dizer ou por fazer, para garantir a minha absolvição.

Nada mais distante da verdade. Não foi a falta de argumentos que causou a minha condenação, e sim a desfaçatez, a ousadia e a falta de pudor dos meus julgadores, assim como o fato de que me recusei a dirigir-me a vocês da maneira que mais prazer lhes daria.

Eles gostariam de ouvir meu choro e meus lamentos, fazendo e dizendo todo o tipo de coisas que eu considero indignas de mim, mas que vocês estão habituados a ouvir de outras pessoas. Mas eu não admito que devesse recorrer ao servilismo porque estava em perigo, e não me arrependo agora de ter-me assim defendido. Prefiro muito mais a morte como resultado desta defesa, do que viver por ter agido da outra forma. Em um Tribunal, como na guerra, nem eu, nem ninguém deve usar suas artimanhas para escapar da morte a qualquer custo.

Nas guerras, muitas vezes é óbvio que se pode escapar de ser morto, entregando suas armas e a si mesmo à misericórdia dos seus inimigos. Em qualquer tipo de perigo, há sempre muitos meios de escapar à morte, se você for suficientemente sem escrúpulos para não ser fiel a nada nem a ninguém.

O difícil não é evitar a morte, mas sim, evitar proceder mal. Assim sairemos daqui: eu julgado por vós digno de morte; eles julgados pela verdade, culpados de impostura e de injustiça.

Quanto ao futuro, quero fazer uma previsão aos que me condenaram.

Encontro-me naquele momento de uma vida, em que o dom da profecia está mais ao alcance dos homens: um pouco antes de morrer.

Eu afirmo a vocês, meus carrascos, que, tão pronto esteja morto, a vingança fará tombar sobre vocês, uma punição bem mais dolorosa do que a minha morte.

Vocês me condenaram à morte na crença de que, por meio dela, se livrarão da crítica à sua conduta, mas eu afirmo, o resultado será exatamente o oposto.

Se vocês esperam que cesse a denúncia da sua maneira errada de viver, condenando as pessoas à morte, existe algo de muito errado no seu raciocínio. Esta forma de escapar à crítica não é nem possível, nem honrosa.

A melhor forma, e a mais fácil, não é calar a boca de outros, mas se tornarem pessoas justas.

Esta é a minha última mensagem aos que me condenaram.

Mas eis que chegou a hora de partir, eu para morrer, vós para viver. Qual de nós terá melhor sorte? Ninguém o sabe, somente Deus”.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O EXÉRCITO DAS ORIANAS

Em foto de Daniel Castellano, a jornalista Terezinha Cardoso, em sua casa na Barreirinha, com o retrato ganho do cartunista Cláudio Seto


Elas enfrentaram a família,
a repressão e fizeram das masculinizadas redações
palcos para discutir
direitos humanos, saúde, cultura e meio ambiente


(Texto do jornalista JOSÉ CARLOS FERNANDES, veiculado no Jornal Gazeta do Povo nesta quinta-feira, 02.12.2010)


Em meados da década de 1940, uma adolescente italiana de 16 anos – Oriana Falacci – estreou no jornalismo, uma profissão em que as mulheres não eram só uma minoria. Não eram bem-vindas. A rotina das redações de jornal, por muito tempo, esteve associada à boemia e a um camaradismo que rivalizava com o Clube do Bolinha. Garotas poderiam não só desconcentrar os membros desses QGs como romper com as práticas de beberagem e tapinhas nas costas, nem sempre amigas da boa imprensa. Nada mais natural, na visão dos marmanjos, que elas se matriculassem na Escola de Educação para o Lar, na Rua Bento Viana, e procurassem atividades que lhes garantiriam voltar para casa mais cedo.

Não se sabe ao certo qual foi a recepção à esguia e aristocrática Oriana nos jornais por onde passou. O que se sabe é que nas duas décadas que se seguiram à sua estreia ela iria se tornar muito maior do que boa parte dos homens de terno, bigode e cigarros na mão com os quais dividiu a rotina de pautas e fechamentos. Formada no movimento clandestino “Justiça e Paz”, Oriana trouxe para a imprensa ganas pelos direitos humanos. Não ficou só na garganta. Cobriu, por exemplo, a Guerra do Vietnã, para citar um dos muitos territórios que desbravou, garantindo seu lugar nas páginas do capítulo mais estimulante do século 20 – a década de 1960.

No Brasil, a memória de Oriana, morta em 2006, parece descansar em paz. Salvo exceções. Os leitores da revista Realidade – que circulou entre 1966 e 1976 – não citam a publicação sem lembrar dos escritos acachapantes da italiana. Alguns, feito membros de uma ordem secreta, ainda guardam a edição de bolso da bela Carta a um menino que não chegou a nascer, lançado pela jornalista em 1975 e, com folga, o maior libelo antiaborto de que se tem notícia.



Na foto de Daniel Castellano, do Jornal Gazeta do Povo, a jornalista Vania Mara Welte: Prêmio Esso de Jornalismo, em 1996, pela série de reportagens do caso das “Bruxas de Guaratuba”

Em meados de novembro, meio que por acaso, um outro nicho de resistência aos “tempos de Oriana Fallaci” veio à tona, em Curitiba, por puro acaso. A dizer. Em uma única semana, alunos de Jornalismo de duas universidades locais – a PUCPR e UFPR – fizeram eventos em homenagem às primeiras repórteres paranaenses. A lista de convidadas é imperfeita, pois lhe falta jornalistas dos anos 50 e expoentes como Lúcia Ca¬¬margo, Marilu Silveira e Rosirene Gemael. Mas é um bom começo para recuperar a contribuição feminina à imprensa.

A galeria passa por Rosy de Sá Cardoso, que para escândalo começou a escrever em jornal nos idos de 1948 e foi a primeira a obter registro profissional; e por Mara Cornelsen, da geração 70, chamada pomposamente de musa do jornalismo policial, hoje convertido em jornalismo de segurança púbica. Entre uma e outra passa um rio – tem-se a presa política Teresa Urban, da estirpe dos jornalistas perseguidos pela ditadura; e Adélia Lopes, sem a qual não se conta nem a história da tevê nem a do jornalismo cultural impresso no estado.

Pois na UFPR, sentadas em semicírculo, diante de uma plateia de jovens que poderiam ser seus netos, cinco dessas muitas pioneiras se juntaram aos cultivadores de Oriana Fallaci e fizeram um tributo espontâneo à mulher que as inspirou, um dia, a escolher o jornalismo. Foi a melhor maneira de dizer que o sonho não acabou.

As declarações de amor a Oriana não são garantia “científica” de que a ativista tenha formado um discipulato no Brasil. Mas são um ótimo indicativo de que as primeiras mulheres que se achegaram das redações estavam atraídas pelo que há de mais nobre no jornalismo – a capacidade de abalar as estruturas sociais, como se dizia nas rodinhas ripongas ou nas guerrilheiras.

Por ironia, a contar pelo que foi dito aos estudantes, a maioria teve de começar a mudança pela cozinha de casa: informar que ia cursar Jornalismo equivalia a contar que tinha perdido a virgindade ou fumado maconha depois de uma matinê no Thalia. As reações eram as mais diversas, e divertem quem nasceu num tempo em que namorado pode não só dormir na casa da sua guria como tomar café da manhã com o “velho” dela.

Rosy – neta do coronel João Gualberto, herói da Guerra do Contestado – já tinha mandado às favas a etiqueta de mocinha da sociedade antes de integrar a equipe de O Dia, no final dos anos 1940: a redatora vinha de breve e luminosa carreira como cantora de rádio, tornando-se uma das estrelas da Guairacá. Tamanho topete, claro, fez com que sua avó materna a declarasse “vergonha da família”. O jornalista João Dedeus Freitas Neto, grande amigo, bem que ponderou. “Rosy, naquela época, pior do que cantora de rádio e jornalista, só mesmo prostituta...”

Os pais, sabe-se, seguiam uma espécie de cartilha do Bope. E muitos homens de imprensa faziam o impossível para que as redações não se tornassem uma sucursal do Colégio Sion. “Eu tive de começar a usar calça comprida. Saía com o fotógrafo para a reportagem e ele ficava me olhando estranho, com cara de quem queria...”, relembra a impagável veterana Terezinha Cardoso, 64 anos, registrada em O Estado do Paraná no dia 13 de dezembro de 1968, aquele do AI-5. Senta que lá vem história.

Perrengue semelhante passou Vânia Mara Welte. Quem a conhece sabe que o verbo correto é esse: ela “estreou” na redação de O Estado do Paraná em 1967 quando ainda era estudante de Jornalismo da Católica. Tinha todos os predicados para o posto: cursara escola normal, era moça de fino trato, lia Realidade e estava antenada tanto nas revoluções de costumes vindas de Paris quanto nas passeatas da Rua XV.

A extroversão, a inteligência viva, assim como os cabelos asa da graúna e as minissaias que fariam corar Mary Quant, fizeram com que Welte vivesse cercada de rapapés. A guria que até então alfabetizava soldados na Praça Oswaldo Cruz e chamava às falas fardados de alta patente, adorou o chamego. Tinha encontrado sua turma. Décadas depois, já casada, com filho e consagrada como uma das nossas Orianas, soube pelo jornalista Francisco Camargo, o Pancho, que aqueles homens tão gentis tinham feito uma aposta sobre quem a levaria para a cama primeiro. Ah, perdedores!

Essa conversa é uma delícia, mas não se resume a um café com bobagem. A chegada das mulheres às redações serve de munição para os estudiosos de gênero, interessados no impacto do feminino nos anais da imprensa. É o que confirmam os depoimentos. As primeiras deduções sobre o material reunido são adiantadas por elas mesmas – senhoras hoje entre 80 e poucos e 60 e não se fala mais nisso: ao tratar as pioneiras como bibelôs, ou como objeto de abate, os homens, talvez inconscientemente, tramavam aniquilar a influência daqueles Orianas. “De certa forma, continua assim”, pontua a outra Teresa, a Urban.

Não se sabe com segurança quantas mulheres passaram pelas redações paranaenses entre Rosy Cardoso e Mara Cornelsen, naquele que se pode chamar de “período de formação”. O que dá para afirmar é que nessa fase não lhes serviram o filé mignon da reportagem, como o jornalismo de economia e de política. As que chegaram antes ficaram encarceradas nos voiles e cetins do colunismo social de antanho. As que vieram atrás foram mandadas para a porta das delegacias, onde digeriram copos de cólera: os homens que cobriam policial não raro ficavam amigos de delegados, assumiam seu linguajar e recebiam informação privilegiada. Para elas, não teve refresco. Era um bom convite a desistir. Muitas devem tê-lo feito. Outras arrumaram as malas e desbravaram seu próprio Vietnã.

Em tempo: Rosy é uma das mais longevas do jornalismo de turismo do Brasil. Teresa Urban é das inauguradoras do jornalismo ambiental. Teresinha Cardoso tem no currículo a cobertura de casos feito o da morte de Leon Eliachar, em 1987, para O Globo, e uma longa folha corrida de serviços à economia. Vania Mara Welte é Prêmio Esso de Jornalismo por sua cobertura do caso conhecido como “Bruxas de Guaratuba” e é referência em Direitos Humanos. Mara enfrenta a violência, pois é preciso. Elas falam de Oriana Fallaci com intimidade: são amigas de longa data.



Para saber mais

Veja como encontrar mais informações sobre as desbravadoras do jornalismo:

Imprensa de batom

- Projeto de conclusão de curso de Jornalismo na PUCPR das estudantes Amanda Bahl, Marina Salmazo, Natasha Schaffer e Bárbara Albuquerque, com orientação da jornalista Suyanne Tolentino. http://www.imprensadebaton.blogspot.com/.


Pioneiras do jornalismo paranaense
- Alunos produziram debate com mulheres que chegaram às redações na década de 1960 e 1970 e produziram série de reportagens. Coordenação da estudante Fernanda Sartor. www.jornalcomunicacão.ufpr.br.




CARTA A UM MENINO QUE NÃO CHEGOU A NASCER

(Abaixo o texto da já falecida jornalista italiana Oriana Fallaci, na foto)


À noite soube que existias:
uma gota de vida que se escapou do nada.
Eu estava com os olhos abertos
de par em par na escuridão e, de repente,
nessa escuridão, acendeu-se um relâmpago de certeza:
sim, estavas aí. Existias



O texto é de Oriana Fallaci, a grande escritora nascida em Florença, Itália em 1932. Ela descreve nesta terna e aterradora carta a um menino que não chegou a nascer, escrita em 1978, essa sensação de amor e ao mesmo tempo de arrependimento que sentem algumas mulheres ao trazer à vida um ser a quem não podem assegurar a felicidade; um ser que talvez um dia nos repreenderá com amargura: Quem te pediu que me trouxesses ao mundo, porque me trouxeste, por quê?


"Uma gravidez difícil por ser, além de mãe solteira, uma mulher com êxito profissional cujos planos se fecham perante o anúncio imprevisto deste filho não planejado.

A minha amiga diz que estou louca em querer conservar-te. Ela, que está casada, abortou quatro vezes em três anos. Essa cruel alternativa é considerada também fugazmente por esta mulher inteligente.

Na escuridão que te envolve ignoras até que existes. Eu poderia desfazer-me de ti e tu nunca o saberias. Não terias a possibilidade de chegar à conclusão de que se eu te fiz mal ou te dei um prêmio. Todavia nada é pior que o nada, filho. O que é verdadeiramente mau é nunca existir.

E assim, o poderoso instinto materno triunfa sobre o raciocínio intelectual e lógico desta mulher excepcional. E, então, a mulher-mãe, procura proteger o seu filho, ainda que contra a sua própria vontade. Começa assim, ao longo da sua breve gravidez, um terno e aterrador monólogo com esse ser tão estranho e ao mesmo tempo tão seu, que tomou posse das suas entranhas.

Certamente, tu e eu formamos um estranho par, meu menino. Tudo em ti depende de mim, e tudo em mim depende de ti. Se adoeces, eu adoeço e se eu morro, tu morres. Mas, estranhamente, não posso comunicar-me contigo, nem tu comigo. Aí dentro, ignoras o que é a escravidão. Aqui fora, por outro lado, terás mil amos. E o primeiro amo serei eu, que, sem querer, talvez sem sequer me dar conta - te submeterei a imposições que são justas para mim, mas não para ti.

O teu encontro com o mundo será um pranto desesperado. Nos primeiros tempos só conseguirás chorar. Passarão semanas e mesmo meses até que da tu boca se abra um sorriso. Serás um homem ou uma mulher?

Quisera que fosses mulher. Ser mulher é fascinante, é um desafio que nunca chega a aborrecer. Terás que bater-te para demonstrar que dentro do teu corpo liso e arredondado há uma inteligência, pedindo com gritos que a escutem.

Cansar-te-ás de gritar. E, de vez em quando, quase sempre, perderás. Mas não deves desanimar. Bater-se por uma causa é muito mais reconfortante que vencer; viajar, muito mais divertido que chegar. Sim. Espero que sejas mulher; não faças caso se te chamo menino. Porém se nasceres varão, sentir-me-ei igualmente contente e talvez mais, porque te verás livre de muitas humilhações, de muitas servidões, de muitos abusos.

Naturalmente, te corresponderão outras escravidões, outras injustiças; nem mesmo para um homem é fácil a vida, sabes? E, todavia, ou precisamente por isso, ser homem constituirá uma aventura maravilhosa, um empreendimento que não te decepcionará jamais.

Comprei-te um berço. Depois de comprá-lo recordei-me que, segundo dizem alguns, possuir um berço, antes que nasça o menino, dá azar. Mas as superstições já não me afetam. E, todavia, algo sucede. A mãe deixa de sentir a presença do filho. Visita o médico e as suas palavras cordialmente indiferentes, fundem-na num pesadelo. Tem razão. Desde há pelo menos duas semanas, talvez três, já não cresce. Ânimo, não há mais remédio. Morreu?

Desde o fundo do seu coração parece-lhe escutar a voz do seu filho: por que tenho que existir mamãe? Qual é a finalidade? No meu universo, que tu chamas ovo, essa finalidade existe: nascer. Mas no teu mundo a finalidade é tão só morrer. A vida é uma condenação à morte. E eu não vejo porque tenho que sair do nada para regressar ao nada?.

Martelante e cruel, surge dolorosa a pergunta a que jamais poderei ter contestação. Terei sido eu, filho, quem te decepcionei da vida e te impulsionou para o suicídio?

Não obstante, a mãe compreende que a indescritível dor por esse filho que não nasceu, é apenas um fato isolado da voragem da reprodução humana.

Agora já não estás. Apenas há um frasco de álcool dentro do qual flutua algo que não quis converter-se em homem ou em mulher. Por que deveria fazê-lo? me perguntaste. Pois porque a vida existe, menino!

Mas em algum outro lugar nascem mil, cem mil meninos, e mães de futuros meninos. A vida realmente, não necessita nem de ti nem de mim. Tu estás morto e talvez morra eu também. Mas não importa, filho, porque a vida nunca morre."