sexta-feira, 20 de março de 2009

ÍCONE DA IMPRENSA PARANAENSE

Ao receber o prêmio Brigadeiro Franco das mãos do pai,
ganhou um abraço.
“Foi um dos melhores abraços
que nós dois trocamos na vida”, disse

(Foto da primeira comunhão,
do arquivo pessoal do entrevistado)


Extremamente ocupado, trabalha de 13 a 18 horas por dia. Mas despojado de complicações inerentes ao poder que tem, Francisco Cunha Pereira Filho conseguiu tempo para falar – em cinco ocasiões distintas – sobre a sua infância, seus sonhos, suas pequenas frustrações e conquistas. Enfim, sobre a sua vida. Para a maioria das pessoas, Francisco Cunha Pereira Filho é grife. Sua presença, mesmo que silenciosa, causa impacto. Nenhum evento de importância aconteceu no Paraná sem que ele fosse convidado. Mas no passado, ele lembra que não era assim. “Na minha juventude, lamentei ter perdido belas festas por não ter recebido um convite”, diz, sem qualquer constrangimento. E precisa? Afinal, ele é, simplesmente, Francisco Cunha Pereira Filho.

Apontado pelas mulheres como um belo homem, Francisco contestou. “Nunca me considerei bonito. Ao contrário, sempre achava que bonitos eram os outros. Não eu. Até acho que, naquela época, faltou para mim um pouco de disputa”, argumenta, rindo. Contradizendo sua modéstia, na Universidade Federal do Paraná, onde lecionava no Curso de Direito, contam que todo o final de ano, assim que os professores entregavam as suas fotos à Comissão de Formatura, as alunas sempre davam um jeito de roubar, para elas, a foto do professor Francisco. Ele era o único mestre que tinha de dar duas fotos todos os anos.

Falando sobre a sua trajetória de vida, o austero Francisco também surpreendeu ao afirmar que gostava de bailes de carnaval. “Eu me divertia muito”, revelou. Já, sobre o trabalho, declarou adorar ter um bom desafio pela frente, como o que enfrentou ao comprar, junto com Edmundo Lemanski, um jornal falido (A Gazeta do Povo). Em apenas sete anos de atividades, ele o recuperou. Com mais alguns anos, o transformou em um dos mais respeitados veículos de comunicação do Paraná, ampliando ainda o seu poder. Fatos importantes da história do Paraná, que se mesclam à sua própria vida, e muito mais, Francisco Cunha Pereira Filho revelou em entrevista exclusiva à jornalista Vania Mara Welte.

Qual é a sua mais remota lembrança?
Tenho duas lembranças marcantes da infância. A minha Primeira Comunhão, com todo aquele ritual, a liturgia, o misticismo. A seriedade da ocasião foi muito tocante. A outra foi o meu primeiro dia de aula no Jardim da Infância do Colégio São José. O primeiro dia me marcou muito porque foi a primeira vez em que fiquei sozinho, sem os meus pais. Foi um sentimento forte de independência e, ao mesmo tempo, de responsabilidade.

Quantos anos o senhor tinha?
Cinco. E me senti gente (rindo).

Como foi a sua infância?
Muito feliz. Minha família era muito unida. Todos os irmãos e primos cresceram juntos, em torno dos pais e dos avós.

Diria que a sua família é bastante patriarcal?
Posso dizer que sim. O exemplo de união nos foi dado pelo nosso avô materno, o professor e médico João Cândido Ferreira. Ele era uma figura mágica e central. Em torno dele gravitavam a avó, os filhos, genros, noras e netos. A reunião em torno dele era semanal. Inteligente, criativo, dono de muitas histórias, o meu avô cativava a todos. Mesmo que a história se repetisse, todos a ouviam sem tecer qualquer comentário. E demonstravam o mesmo interesse da primeira vez. Inclusive as crianças. Era um tempo de grande felicidade e até magia.

Essa união familiar persistiu?
Sim. Eu sou o mais velho de quatro irmãos: Lincoln, advogado, já foi deputado estadual no Paraná; João Cândido, que é médico; e Maria Julinda, que reside na Paraíba, é viúva de um engenheiro de açúcar de João Pessoa, o Francisco Leocádio Ribeiro Coutinho. Os dois tiveram sete filhas, e cada uma delas têm como segundo nome Julinda, o nome da nossa mãe. Todas as sete são casadas e têm em média três filhos. Apesar da distância e dos compromissos, nós continuamos unidos. Estamos sempre em contato, sempre nos vendo. Maria Julinda, constantemente, vem a Curitiba.

E o patriarca?
Sem dúvida alguma era papai, o desembargador Francisco Cunha Pereira, que chegou aos 102 anos de idade (hoje, falecido). Mineiro das Alterosas, ele se tornou um paranaense honorário. Um curitibano por opção, de alma e coração.

Voltando um pouco aos dias de infância, as suas brincadeiras eram comportadas?
Eram normais. Tinha um convívio tranquilo com os irmãos, os primos e os colegas do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, onde fiz o primário. Nossas brincadeiras consistiam em andar de bicicleta... Fazíamos competições em corridas de bicicletas em torno da praça, perto da casa do meu avô. Eu também gostava muito de jogar futebol.

Em que posição?
Na de goleiro. Eu sonhava, um dia, ser goleiro.

E o que aconteceu com o sonho?
Nunca realizei o meu sonho. Defendi algumas bolas, mas nunca consegui grande sucesso (risos). Depois, lá pelos 10, 11 anos, eu tive o meu interesse despertado pelo rádio galena. Colocava-se no ouvido e procurava-se com uma agulha, na pedra bruta, localizar uma estação de rádio. Tudo isso, dentro de uma caixa rústica, era ligado a fones de ouvido. Quem me despertou para esse interesse foi o seu Pedro Lappali, proprietário das Lojas Lappali, localizadas em frente ao Hospital Paciornick. Com essa brincadeira eu tentava alcançar as estações mais distantes e potentes. Era um desafio.

E o que o senhor gostava de ouvir nas estações de rádio?
Música. Música popular brasileira. Mas naquele tempo não se dizia música popular brasileira. Só brasileira. Eu gostava de ouvir Francisco Alves, Bidu Sayão, que era artista lírica, e outros cantores. As músicas dessa época eram lindas.

Aos 10 anos o senhor já começava a delinear o seu futuro...
Não. Eu não tinha outra pretensão do que a própria diversão, além de uma atração pelo invento, por causa dos meus estudos de Física, já quando cursava o ginásio no Colégio Santa Maria, dos irmãos maristas. Além disso, comecei a gostar de natação, nas primeiras aulas realizadas no tanque da Fazenda São João, comprada por meu pai, na legendária Lapa, onde passei dias felizes de minha infância e juventude. Também apreciava andar a cavalo, pela gostosa sensação de liberdade e de locomoção rápida.

Nessa época, quem eram os seus companheiros, os amigos?
Os meus irmãos eram os meus amigos e companheiros prediletos. Os de todas as horas. Da época de ginásio, no Colégio Santa Maria, apreciava muito a companhia de João Oliveira Peres, que morreu como procurador-geral do Estado de São Paulo; e de Milton Tesseroli, que chegou a ser diretor-presidente do Banco Chase Manhattan. Ele faleceu há poucos anos. Outro bom companheiro continua sendo o Francisco Lúcio Marchesini. Todos os três advogados e muito amigos.

O senhor fez o restante dos estudos no Colégio dos irmãos maristas?
Não. Eu queria ganhar um ano de estudos e fiz uma tentativa no Colégio Iguaçu. Mas voltei atrás e retornei ao Colégio Santa Maria. Depois, quando chegou o momento de cursar o pré ..., naquele tempo havia quatro anos de ginásio e três de pré, eu freqüentei aulas noturnas no Colégio Paranaense, onde estavam os melhores professores daquele tempo. Mas eu passei uma fase curta no Paranaense. E, no Santa Maria, onde estudei mais tempo, tive professores marcantes como o irmão Henrique, que ensinava com muita eficiência e era titular da turma, e o irmão Ruperto, que ministrava Física e Química.

O senhor foi um aluno bem-comportado?
A educação era bastante severa e nos divertíamos fazendo esportes, ginástica em barras e, também, jogando futebol.

O senhor ainda não tinha desistido do futebol...
É, ainda insistia um pouco no futebol. (rindo)

Qual o seu time do coração?
Sou torcedor atleticano. Sem fanatismo.

Ainda pratica esportes?
Eu trabalho muito. Das 9h30 até 21, 22 horas ou até mais tarde, o quanto for necessário. No início do jornal só voltava para casa de madrugada. Hoje, procuro reservar tempo para o esporte. Eu caminho muito. É caminhando que mantenho a minha forma física. Além disso, pratico diariamente tae kwon do. Sou presidente da Associação Paranaense de tae kwon do. No Paraná há mais de 3 mil associados e, no Brasil, são 20 mil.

E por falar em forma física, o senhor foi, e é, um homem bonito. Na sua juventude, bonito, cheio de ímpeto...
(Interrompendo a pergunta) Mas..., olhe... Nunca me considerei como tal.

Mas as pessoas o consideram...
Nessa fase aí, nunca me considerei atraente, boa pinta, ou qualquer coisa dessas... Na verdade, achava que os outros eram bonitos. Eles tinham cabelos pretos... Eu não tinha cabelos pretos. (risadas)

E as festas, quando surgiram em sua vida? Quais as melhores lembranças?
Na época dos estudos do pré começaram a surgir os convites para as festas de 15 anos. Eram a novidade. Eu não era sócio de clubes sociais e, então, as reuniões aconteciam nos aniversários das moças de famílias conhecidas. Eu aceitei uma grande quantidade de convites desse tipo.

Daí, o senhor começou a ser disputado pelas meninas?
Daí eu comecei a conhecer, ver e estudar. Mas eu nunca me considerei disputado. Nunca fui disputado... Eu acho até que faltou um pouco de disputa. (muitos risos)

Há algum evento importante nesta cidade, neste estado, que o senhor não tenha sido convidado?
Naquela época de que falávamos, deixei de ser convidado para muita festa em que eu quis ir. (risos) Aniversários muito comentados..., em muitos, eu não fui convidado. (risos) Entre os 17 e 18 anos comecei a ir a bailes de carnaval. Assistia a quase todos. Já frequentava o Clube Curitibano, a Sociedade Duque de Caxias e, de vez em quando, o Country Club. Eu me divertia bastante. Sem descuidar dos estudos, por influência proter (primeiro) do meu pai, que era juiz, fui prestar vestibular para Direito na Universidade Federal do Paraná. Mas eu estava em dúvida entre Direito e Medicina.

O senhor pensou em ser médico?
Sim. Os meus tios eram quase todos médicos. Quatro médicos. Eu sofria uma influência muito forte do meu avô e, em certo momento, aos 12 anos, passei a morar com ele. Eu lia muito para o meu avô, de jornais à literatura e livros de Medicina que, naquela época, eram franceses. Assim tive o meu interesse despertado para a medicina e para o idioma francês.

O senhor fala quantas línguas?
Francês, eu estudei na Aliança Francesa. Hoje, falo francês, inglês, espanhol e, claro, português. Idiomas que estudei no ginásio e, mais tarde, aperfeiçoei.

O senhor foi um aluno aplicado na universidade?
No primeiro ano, eu senti uma dificuldade muito grande nos estudos de Filosofia do Direito e Introdução à Ciência do Direito. Mas, no segundo ano, elaborei uma estratégia de estudos. Preparava apostilas de todas as matérias, anotava tudo o que os professores falavam e ensinavam nas aulas. As informações eram complementadas por meio de pesquisas em livros. Depois, imprimia tudo em mimeógrafo. Às vésperas das provas, eu as vendia aos colegas. (risos) Eram bastante procuradas. Eu ganhava um bom dinheiro com elas. Davam lucro e eu estudava profundamente as matérias ao preparar apostilas sem erros. Foi uma das formas mais eficientes e lucrativas de estudar. (risos) E, ao me formar, ganhei o Prêmio Brigadeiro Franco como o melhor aluno em Direito Civil. No último ano, ainda recebi um atestado por ter obtido as melhores notas em todas as matérias do quinto ano. Jamais vou esquecer as circunstâncias da minha colação de grau.

O que aconteceu?
Eu fui chamado para receber o Prêmio Brigadeiro Franco. Junto, ganhei um envelope contendo três notas de 500 mil réis. Notas verdes, grandes. Era um valor tão grande que já dava quase para montar o meu escritório de advocacia. O importante nisso é que a entrega do prêmio foi feita pelo meu pai, que estava compondo a mesa, representando o Tribunal de Justiça e também como presidente do Tribunal Regional Eleitoral, na época. O reitor fez questão de que eu recebesse o prêmio das mãos de meu pai. Foi uma emoção muito forte, para mim e para meu pai. Foi um dos melhores abraços que nós dois trocamos na vida.

Quando o senhor começou a advogar?
Antes mesmo de terminar o curso, abri um escritório de advocacia junto com outro colega, o João Severino de Oliveira Perez. Era um escritório de advocacia e de representações comerciais. O nome era Co-Jurídico. Na época, eu tive um apoio espontâneo muito importante, o do jornalista Roberto Barroso Filho. Ele me forneceu todo o material que possuía porque estava fechando o escritório dele. O Barroso me passou praticamente tudo, e com uma espontaneidade impressionante. Ele também me deu esclarecimentos de como deveria proceder. Foi um gesto muito generoso. Eu sempre me lembro do que o Roberto Barroso fez por mim e sou muito agradecido a ele.

Que representações havia no escritório?
Eu trabalhei com representações de sapatos, tênis e todos os produtos típicos do Nordeste. No escritório se fazia preparação de papéis de casamento, requerimentos de isenção de multas por falta de registros de nascimento, civis e de pequenas questões de locações. Eu ainda fiz um estágio no escritório do advogado Hélio Setti, atuando em todas as áreas. Depois de formado, montei o meu escritório de advocacia, desta vez, em parceria com o meu irmão Lincoln, que já estava concluindo o curso de Direito. Nesse momento, achei que deveria me impor como advogado e parti para a experiência do Tribunal do Júri. Minha estreia foi com o Salvador de Maio, um advogado famoso. O promotor era o Maranhão, que foi desembargador. Absolvemos o acusado. Foi a minha primeira vitória. Trabalhei em casos muito importantes, como o de Carolina Taborda Ribas, acusada de ter assassinado o namorado da filha. Neste caso, trabalhei na acusação. Mas eu prefiro defender. Fiz mais de cem júris, atuando na defesa. Trabalhei por quatro anos no processo que respondeu Moysés Lupion ao deixar o governo do Paraná. Na defesa dele também estavam o professor de Direito Penal Laertes Munhoz, e o ministro Evandro Lins e Silva. O Lupion foi absolvido. No Tribunal do Júri eu obtive bons rankings.

E a opção pela outra tribuna, a da imprensa?
Em 1962, junto com Edmundo Lemanski, comprei a Gazeta do Povo. O jornal estava em estado falimentar. Assumimos o passivo e todas as responsabilidades. Ao todo, eram 50 empregados. Alguns trabalharam na casa até a aposentadoria, há pouco tempo, como o Clóvis, o das Oficinas, e o D’Aquino, na Redação. Durante 15 anos advoguei nas mais diversas áreas, com ênfase na criminal. E por muito tempo fiquei dividido entre o direito e o jornalismo. Até fazer a opção final pelo jornalismo. Gostei do desafio a que me propus. Em sete anos pagamos todas as dívidas e, ainda, compramos o jornal Diário da Tarde, apenas para podermos ter uma rotativa. Naquela época, a importação era muito difícil e a rotativa veio facilitar e dar maior rapidez ao nosso trabalho.

Nota: Essa foi a última interrupção da entrevista. Depois deste encontro, Francisco Cunha Pereira Filho viajou para os Estados Unidos e a jornalista assinou um contrato de consultoria para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Tríplice Fronteira – Argentina/Brasil/Paraguai.

Antes de ambos viajarem, eles se falaram e marcaram o final da entrevista para o final de 2005. Antes que o ano terminasse, mais uma vez, “doutor Francisco” avisou que gostaria de concluir a entrevista, mas a jornalista deveria aguardar um pouco. Mesmo lamentando, a jornalista entendeu que a entrevista deveria parar aqui. Esta compreensão é a melhor homenagem que a jornalista pode render ao seu entrevistado.

Afinal, a história de Francisco Cunha Pereira Filho não tem fim, ela se esparge pelas notícias, fatos e imagens do dia-a-dia, pelas redações, estúdios, caminhos e descaminhos da imprensa deste estado e, ainda, ruas, praças, monumentos, e pelas muitas histórias de vida das pessoas. Em cada um de nós há um pouco de Francisco Cunha Pereira Filho, um patrimônio, um ícone da própria história do Paraná. Um ser humano ímpar, perene em nossa memória e coração.

Ave! doutor Francisco!




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