sexta-feira, 15 de outubro de 2010

PELA DEFESA DAS PRERROGATIVAS DO MAGISTRADO

Nelson Calandra,
em foto de Pedro Serápio

Os juízes brasileiros vão às urnas.
Candidatos à presidência da
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
falam de suas ideias.
Aqui, a entrevista concedida por Nelson Calandra,
desembargador em São Paulo,
da chapa Novos Rumos


Qual é o principal problema enfrentado pela magistratura atualmente?
A magistratura, hoje em dia, vive um sentimento de frustração: trabalha demais, é qualificada como lenta demais e, muitas vezes, acaba exposta publicamente por condutas isoladas de alguns colegas que infringem um dever funcional. Então, nós vivemos esta perplexidade: trabalhamos no limite de nossas forças e acabamos expostos nos veículos de comunicação por pessoas que são, realmente, a minoria da minoria. Hoje, alguns colegas se sentem envergonhados até de declinar publicamente a sua condição de magistrado. Além disso, vivemos no século 19 dentro do Judiciário e o mundo aqui fora vive no século 21. E esse descompasso é gerado, não por falta de fiscalização, mas por falta de investimento em Justiça por parte da classe política.

Quais serão suas prioridades na AMB?
A AMB, ao longo desses anos, vem tomando um caminho, com todo o respeito que tenho pelos colegas que lá estão, de uma ONG. E ela não é uma ONG. Ela é uma entidade de classe e tem que estar voltada para seu associado. Ela não pode se tornar mais uma corregedoria. A gente nota nos pronunciamentos da AMB que ela, muitas vezes, assume uma posição inadmissível para uma entidade que tem por finalidade defender o magistrado: ela passa a se pôr como mais uma corregedoria do juiz, julgando a conduta do juiz. Então, quando algum magistrado comete alguma falha que demande intervenção de algum órgão fiscalizador, seja o CNJ, a corregedoria ou o plenário do tribunal, a AMB tem que zelar para que as prerrogativas do magistrado sejam observadas. Não me importa a conduta do juiz, o que me importa é que aquelas prerrogativas dele sejam obedecidas. Você não pode, no momento em que um colega é aposentado compulsoriamente, dizer, por exemplo, que “é muito bom porque está limpando a casa”, porque você está comparando o seu associado com lixo. E isso nós não podemos admitir.

Qual é a sua opinião sobre a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?
Vejo o CNJ hoje, mais do que nunca, como um órgão necessário. Mas nós, juízes, somos a única categoria de réus do planeta que é julgada, dentro do CNJ, por aqueles que formam juízo de acusação. A minha posição crítica não está dirigida aos colegas, mas à dinâmica e à arquitetura do CNJ. Acho que temos que aperfeiçoá-lo para torná-lo um órgão verdadeiramente democrático. Ele não pode interferir em demasia, sob pena de aniquilar outro mecanismo mais precioso ainda, que é a independência dos juízes.

O que o senhor pensa do quinto constitucional?
Não temos nada contra os integrantes de outras categorias, mas queremos ver preservadas as cadeiras para a magistratura de carreira. Isso tudo tem que passar por um grande debate. Eu, pessoalmente, entendo que a associação é de magistrados. Magistrado que foi nomeado pelo quinto é associado da AMB, tem que se tratado com respeito, com dignidade. Como presidente de uma entidade de classe, eu não posso me pôr contra meu associado. Esse debate é da AMB pra fora. Temos que discutir com a Ordem dos Advogados do Brasil, com o Ministério Público, debater profundamente o tema e chegar a uma conclusão.

Segundo o Índice de Confiança no Judiciário do 2.º trimestre de 2010, levantado pela Fundação Getúlio Vargas, apenas 33% da população diz confiar no Judiciário. O sr. concorda que a Justiça vive uma crise de credibilidade? O que fazer para mudar esse quadro?
Se a imagem que é projetada é uma imagem negativa (“juízes expulsos da magistratura” antes mesmo que transite em julgado o procedimento), se a imagem que a gente projeto é que o acervo de trabalho decorre de omissão do juiz, não de falta de investimento do Estado, ocorre que a população vai desconfiar desse Poder de Estado. Em minha experiência de auditor de banco, no início da vida profissional, se eu publicasse no jornal que “esse banco tem um ladrão”, “esse banco tem um corrupto”, podia estar circunscrito a uma única agência do banco, no dia seguinte o banco estaria quebrado no Brasil inteiro. Então temos que mostrar os bons serviços que a magistratura presta. O CNJ veio aqui no Paraná e fez um relatório detalhado sobre a magistratura paranaense e encontrou, sob seu ponto de vista, 113 pontos negativos, mas não falou das 1.113 coisas boas que fez a magistratura paranaense. O CNJ vem mostrando diariamente que a situação do Judiciário é difícil, que há juízes errados, mas não mostra as boas práticas, aquilo que deveria ser a vitrine boa da magistratura. Há muitos exemplos positivos. Se você falar dos fatos negativos sem falar dos positivos o resultado é que, perante a opinião pública, a desconfiança cresce. Às vezes, por uma bobagem qualquer, sujeito pensa: “acho que fui condenado porque o juiz não presta”. Nossa avaliação negativa decorre de uma exposição extraordinária. Juiz não precisa de exposição. Juiz precisa ser protegido, precisa ter os meios materiais para trabalhar e prestar um serviço de primeira classe à população. A Justiça vive da sua credibilidade, do respeito que a cidadania deve ter para com seus integrantes. É um Poder desarmado, é um Poder que não tem nem a força da espada nem a força da economia, o poder econômico. Então nós vivemos da nossa credibilidade, do respeito que o cidadão tem pelo juiz. E isso tudo tem sido abalado porque algumas mazelas ligadas à minoria da minoria são expostas como se fosse a realidade do Brasil.


A sociedade não aprova prerrogativas da magistratura, como a aposentadoria compulsória punitiva. O que o sr. pensa a respeito?
Há garantias que são mais antigas do que muitas gerações das nossas famílias. Em 1222, houve uma revolução na Inglaterra porque a população inglesa queria ter juízes que não fossem demitidos por um simples gesto do rei. Eles queriam que os seus juízes tivessem essa garantia que nós estamos questionando agora. A grande vitória de revolução inglesa foi ter juízes independentes e vitalícios. E isso veio até nós. Agora nós queremos dar uma marcha-ré no tempo para voltar ao tempo da barbárie. Quando se diz que vitaliciedade é um prêmio indevido para quem violou deveres da toga, trata-se de alguém que não conhece o que é a história democrática do mundo; trata-se de pessoa que não sabe o que é um processo disciplinar contra juiz. Eu conheço colegas que foram aposentados compulsoriamente: parecem zumbis. São pessoas que foram excluídas da vida útil. Você imagina alguém aposentado, com vencimentos proporcionais, que não pode ser advogado e vai ter que encontrar outra profissão. Se nós negarmos essa aposentadoria, que é proporcional ao tempo de contribuição, não vamos desamparar o faltoso, mas a família do faltoso. Então, a aposentadoria compulsória é exílio moral do magistrado, não é prêmio, nem benesse. E é garantia do Estado Democrático de Direito, porque nós temos que punir os culpados, sim, aposentar compulsoriamente quando for o caso, sim, cassar o cargo de juiz, sim, mas não por uma penada administrativa. Há que existir um processo que tenha um acusador independente e julgadores imparciais, em que ele tenha ampla defesa.


A sociedade também costuma criticar os 60 dias de férias da magistratura. O que o sr. pensa sobre o tema?
Eu posso dizer que férias, para nós, são uma ficção. Principalmente no segundo grau. Eu estou de férias nos meses de agosto e setembro, tirei férias para fazer esta campanha, mas nunca consegui sair um dia de férias. Na verdade, formalmente estou gastando os períodos de férias a que eu tinha direito e continuo a comparecer nas sessões de julgamento, porque sou convocado para votar e se eu não estou lá a sessão não funciona, tenho processos criminais em que sou instrutor contra autoridades públicas e o processo criminal não pode parar. Saí do órgão especial, mas continuo vinculado àquelas causas. Mesmo de férias tenho voltar para ouvir testemunha, para interrogar o réu, então, as férias, para nós, constituem uma ficção. E nós queremos mostrar para a sociedade que esse período de férias de 60 dias é uma necessidade. Esse direito de férias para a magistratura é uma questão de saúde pública. Nós deveríamos, realmente, desfrutar de dois períodos de férias, para que pudéssemos nos refazer. O que a gente mais vê são colegas vítimas de estresse. Há duas semanas, um colega com 36 anos caiu morto no meio de uma audiência em Belo Horizonte, teve um infarto fulminante. Será que isso é bom para o Brasil, para a sociedade? Olhar com tanta discriminação para um benefício que é dado aos parlamentares, que nos criticam. O nosso regime é extraordinário, pois somos protagonistas de um Poder de Estado, temos que ter certos direitos e garantias próprios de um Poder de Estado.


* Conheça mais ideias e propostas do candidato Nelson Calandra no site


Entrevista concedida ao jornalista Vinícius André Dias, veiculada no Jornal Gazeta do Povo, nesta sexta-feira, 15.10.2010

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