quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

‘QUEM É QUE NÃO QUERIA SER GARI?’


O Carnaval passou, mas a alegria ficou.`
É quarta-feira de cinzas...
É tempo de trabalho e reflexão.

Só para relembrar e pensar:
a entrevista com Renato Luis Feliciano Lourenço,
o Gari Sorriso


Renato Luis Feliciano Lourenço, mais conhecido como Gari Sorriso, trabalha no Rio de Janeiro e ficou famoso no Carnaval de 97. Durante um intervalo entre as apresentações das escolas de samba, na Apoteose, entrou para fazer a limpeza. Aproveitou, deu uma ‘sambadinha’ e brilhou para as câmeras. Hoje, além de continuar gari, dá palestras para executivos sobre motivação no trabalho.


Qual é seu nome completo?
Renato Luis Feliciano Lourenço.

Há quanto tempo você trabalha como gari na Comlurb?
Em dezembro, agora, eu faço oito anos.

Queria discutir como é que é seu dia-a-dia de trabalho?
Olha, eu tenho que agradecer a Deus, porque eu estou trabalhando, tá? De maneira que eu agrado os contribuinte, os morador, eu, por saber que estou trabalhando, tá bom?

Você trabalha recolhendo lixo ou varrendo rua?
Eu trabalho como varredor na pracinha Xavier de Brito, aqui na Tijuca. Eu varro umas cinco ruas. Pego de seis da manhã até uma da tarde. Sou varredor, entendeu? Faço carpina, limpo os ralo, limpo as praça.

Como é que você se sente fazendo esse trabalho?
Eu me sinto um orgulhoso, entendeu grande? Só em saber que eu presto para atender a minha comunidade, já faz parte do meu dia-a-dia. Não importa qual seja a minha profissão. Acho que cada um dentro da sua profissão tem que fazer bem feito e de qualidade.

Então você acha que sua profissão é importante?
Hoje em dia, é muito importante. Hoje em dia, a Comlurb, tá - não é o gari - a Columrb tá dentro de uma das primeiras importância na nossa vida, né? Acho que sem a gente não teria uma cidade limpa, um Rio de Janeiro com qualidade de vida melhor. Tendo higiene, nós eliminamos até várias doenças, tá entendo?

Como é que sua relação com as pessoas na rua, com o pessoal?
Hoje, minha relação cada vez que passa tá melhorando mais, tá? As pessoas, hoje, estão vendo o gari com mais respeito, com mais qualificação.

Antes não tinha esse respeito? Como é que era? Se você não estivesse lá para varrer a rua, o pessoal nem ia notar?
No passado, essa profissão gari era um pouquinho discriminada, entendeu? O povo não dava valor para o varredor, o gari. Depois de eles verem que a população foi crescendo e isso foi modificando as ruas, os garis faz falta para eles, entendeu?

Quer dizer que antes tinha uma discriminação e, hoje, isso não acontece?
Não, não, hoje em dia, tá melhor. Hoje em dia, até mesmo o próprio gari já tá se educando melhor, tá indo em escola, aprendendo a se desenvolver. A ter outra postura, entendeu? Até a empresa mesmo já faz isso que nós temos uma qualificação melhor para lidar com os moradores.

A empresa dá curso para vocês para isso?
Não, não. A empresa, ela ajuda a gente, ela colabora com os garis, ela educa a gente. É tipo um curso para gente tá no dia-a-dia com os moradores.

Então a Comlurb dá um curso?
É uma palestra. Todos nós que vamos para Comlurb têm que ter uma palestra.

O que se fala nessa palestra?
Para que serve a luva, como você deve chegar em cima de um contribuinte, bom dia, boa tarde. Sempre limpo, sempre higiênico. Barbinha bem feita, cabelo baixo. Tá sempre limpo, com luva.

Tudo em ordem, né?
É fazer o trabalho com dedicação.

Você acha que essa discriminação diminuiu só com você? Quer dizer, por que você é famoso?
Não, é com todos os garis. Antigamente, há dez, vinte anos atrás, era lixeiro, chamava de lixeiro. Com o tempo a população foi vendo que não era isso, que faz falta, hoje em dia, um gari na rua. Hoje, um gari é igual médico.

Igual a um médico, como assim?
Hoje, um gari é igual a um médico no dia-a-dia. Hoje em dia, se você sair da sua casa de manhã e ver a rua suja, tu não vai gostar, vai?

Não.
Então! E quando você vê o gari limpando, você não fica satisfeito?

Sim.
Então, o gari, hoje, tem essa função de manter a cidade limpa. Nós somos uma necessidade. Estamos em todas as partes do Rio de Janeiro.

Você acha que o fato de você começar a ficar famoso ajudou a diminuir essa discriminação, esse preconceito?
Ajudou, mas não foi só eu não. Tem vários amigos meus, aqui na Comlurb, que fazem também evento, que me ajudam a passar isso no dia-a-dia. Aqui mesmo, nós temos um grupo pegando de surpresa, que duas vezes por mês o grupo sai nas ruas do Rio de Janeiro divulgando o serviço, dando palestra para os moradores.

Dando palestra?
É um grupo de funcionários que sai com as peças de serviço, mostrando porque não pode botar isso na rua, o horário certo da coleta, como que faz uma carpina. Nós temos contato com os moradores vinte e quatro horas.

Você acha que o preconceito acontece no lugar onde você mora, pelo fato de você ser gari?
Diminuiu bastante. Cara, hoje em dia, é só o homem estar trabalhando que acabou o preconceito.

Mas como é que era esse preconceito antes? Você, que já está há oito anos na praça?
Antigamente, nós víamos, eu via, quando era pequeno: o gari era chamado de lixeiro. Era mal visto, difamado. Até que um dia nós mesmos se conscientizamos que o gari faz parte de uma das grandes profissões que tem aqui dentro da nossa cidade. E, hoje, o gari está em primeiro lugar. Queira ou não queira, a Comlurb está em primeiro lugar. É atendendo na carpina, em remoção gratuita. Em encosta de montanhas e morros, limpando. Estamos limpando os pontos turísticos. Agora, a Comlurb está com o projeto Gari Colégio dentro do colégio limpando. Hoje, o gari esta mais próximo do cidadão.

Vamos trazer a conversa para o lugar onde você mora. Tinha preconceito contra você, no começo?
Nunca teve, não. Graças a Deus. Quer dizer, teve sim. Teve muita gente querendo entrar para trabalhar junto comigo.

O que eles falavam?
Quando abriu a inscrição, no mês passado, eles estavam doidos para entrar na Comlurb. Perguntando como é que fazia a inscrição, como é que era, como é que vai ser e tal. Eu passei o serviço e várias orientações para colegas meus que estavam desempregados.

E o que você acha daquela fila que teve?
Olha, aquela fila, eu queria que todo mês tivesse aquela fila para as pessoas terem um sonho para poder trabalhar. Aquilo é uma esperança, porque, hoje em dia, a crise do trabalho, do desemprego, está muito alta. Hoje em dia, um chefe de família para ser um chefe de família tem que estar trabalhando. Não importa qual seja o trabalho, tem que estar trabalhando.

Quando você dá suas palestras, você sente que tem preconceito das pessoas que estão te assistindo? Como é que funciona isso?
Olha, essa palestra que eu dei no mês passado foi a primeira que eu dei na minha vida.

A primeira?
Eu gostei, achei bacana. Desde o momento que me chamaram para dar aquela palestra lá em cima, eu sabia que, dentro de mim, tinha alguma coisa que interessase a eles. Daí, eu fui escolhido, como podia ser eu, você, outra pessoa. É porque eu tenho um contato muito importante com o morador. Comigo não tem isso de discriminação, não. Eu trato o ser humano como ser humano. Não importa a classe. Não importa o valor. Para mim todos são iguais.

E você foi bem recebido nessa palestra que você deu?
Bem.

Renato, em nosso suplemento, nós estamos tratando de um tema que se chama “invisibilidade pública”. Trata-se de um psicólogo que trabalhou como gari seis anos, aqui na USP. A pesquisa dele comprovou que existe essa invisibilidade. Quando ele estava trabalhando como gari, algumas pessoas - que eram amigas dele - nem o reconheciam.
Isso foi no passado, não é?

Não, não. A tese é recente. Ele defendeu no ano passado.
Não acredito. É o preconceito, cara. O racismo está na cabeça de algumas pessoas, umas têm outras não têm. Acho bobeira a pessoa pensar assim desse jeito.

E você acha que isso diminuiu, que não tem mais isso?
Tem muito pouco. Isso em qualquer lugar, até mesmo dentro de casa, tem. O preconceito, a inveja, o olho grande, o racismo estão em qualquer lugar hoje em dia. Dentro do serviço, de casa, do colégio, está vinte e quatro horas ao nosso redor.

Você entendeu, não é? Amigos dele passavam e fingiam que ele não existia.
Bobeira, não é? Se o cara tivesse desempregado, eles falavam. Agora, trabalhando, eles pensam que tem alguma contaminação. Isso não tem nada a ver, não.

Isso não acontece no Rio, com seus colegas?
Não, isso não acontece aqui, não. Aqui, a população é até chegada aos garis. Eles até gostam da gente.

O uniforme não funciona como uma barreira?
Eu acho que fica até mais fácil. Porque, veja só: o PM tem a roupa caque, o bombeiro, é a roupa vermelha, o médico, é um jaleco branco, o gari tem para identificar ele na rua. É uma cor que é mais visível, que é tipo uma sinalização. E cada um tem que ter seu uniforme. Imagina se cada um de nós trabalhasse com a nossa roupa de casa? Ninguém ia saber quem é quem. Funciona como se fosse um documento, uma identidade nossa.

Se o preconceito diminuiu, como é o relacionamento que você tem com as pessoas hoje?
Eu poderia falar que é de pai para filho. Eu sou o filho e a comunidade seriam os pais. Minha relação com os moradores é muito importante.

Mas eles cuidam de você, então?
Cuidam de mim como eu cuido deles. Se eles cuidam de mim é porque eu cuido bastante deles.

Quando tinha preconceito como é que era?
Olha, eu era pequeno, tá? Era como você falou, eles viam o gari, tinha lixo e jogavam perto do gari. Não passava perto do gari, tinha vergonha. Hoje, até o gari mesmo foi mudando isso. A tecnologia faz com que as pessoas mudem.

A tecnologia, como assim?
Porque tem muitas pessoas que trabalham na Comlurb que é formado. Tem muitas pessoas que estão pegando na vassoura para varrer que é mestre, professor, advogado. São pessoas que estão na função de gari, mas eles têm um currículo, têm uma cultura. Não é só pessoa analfabeta e burra que é gari, não. Hoje, nós temos que levantar a mão para o céu e agradecer que nós somos garis. Quem é que hoje não queria ser um gari?

Então, a coisa está feia?
É porque a firma também ajuda o funcionário. Ela faz por onde, nós fazemos por onde. Ela dá uma chance. É só a pessoa querer, fazer por onde.

O pesquisador também identificou que os próprios garis não fazem questão de se relacionar com as pessoas, ficam num grupo fechado.
Não, isso não é o gari, isso é da cabeça do homem. Cada um tem um modo de pensar diferente. Eu agradeço a Deus quando eu estou perto da comunidade. Eu faço parte de uma comunidade. Se eu trabalho com uma comunidade, eu sou a comunidade. Se ali dentro eu sou gari, de tarde, quando eu tiro a farda, eu vou continuar sendo um gari. Eu dependo daquela roupa para trabalhar, para viver, para manter o sustento da minha casa.

Então o grupo gari - seus conhecidos - não se fecha? Estão abertos para a comunidade?
Estão abertos vinte e quatro horas direto. E até é um contato mais próximo, um contato físico.

Existe um relacionamento?
Existe um respeito entre a gente mesmo.

O pesquisador também teve dificuldade para entrar no grupo dos garis. Isso acontece?
Olha, é o que eu estou falando, cada um tem um modo diferente. Será que ele prestava ou não prestava?

Como assim? Prestava para ficar no grupo?
É. Porque, aí, é a cabeça de cada um. Cada um tem um modo de pensar. E, aí, todo mundo junto resolveram pensar diferente. Eu, graças a Deus, sou bem recebido onde eu chego. Se um dia eu conhecer ele, nós vamos ser bem recebidos um pelo outro. Isso entrega na mão de Deus, que Deus resolve isso.

Você acha que existe alguma profissão invisível hoje?
Hoje em dia, como nós estamos nos desenvolvendo cada vez mais... quer dizer, o homem está ultrapassando os seus limites. Acho que não tem, não. Hoje em dia, todos nós somos iguais. Hoje em dia, uma profissão depende da outra.

Não tem preconceito do rico para o pobre?
Não. Hoje em dia, se o cara está lá em cima, no poder, ele fez por onde. Eu estou aqui em baixo e também vou fazer por onde para conseguir me levantar. Às vezes, ele está lá em cima e não sabe nem pegar uma vassoura para varrer.

E o que você acha disso, dele não saber varrer?
Ele, talvez, pode ter escolhido uma profissão em que ele não deu tanta importância para uma varredura. Isso varia muito. Você sabe varrer?

Sei.
Varrer ou limpar? Eu limpo, você varre.

Quais são seus projetos?
Daqui para a frente, com essas portas se abrindo, eu tenho vários projetos.

Que portas são essas?
As chances que vão me dando, quando eu vou aparecendo na mídia. De as pessoas poderem me observar, de eu poder mostrar o nome da Comlurb para o mundo todo. Mostrar a relação dos garis com a população. Eu tenho o sonho de acabar meus estudos.

Seus projetos são juntos com os da Comlurb? Tem uma parceria entre você e a empresa?
Não, eu e meus colegas todos. Nós estamos aqui dentro, nós temos que lutar e conseguir aqui dentro. Se eu trabalho aqui, eu tenho que valorizar o meu trabalho. Se hoje eu estou aqui é graças à Comlurb.

Voltando para o passado. Como foi a sambada na Apoteose?
Todo mundo sabe que todos os intervalos entre uma escola e outra, o grupo da Comlurb entre limpando a Apoteose. Aí, quando eu estava limpando a Apoteose, um amigo meu falou assim: agora, eu quero ver seu show de samba? Vamos ver se você sabe sambar mesmo e não tem vergonha do povo. Aí, eu sambei um pouquinho, o povo aplaudiu, consagrou e até eu estou sambando e trabalhando como gari até hoje.

Foi uma aposta?
Foi um modo de falar entre a gente e ficou até hoje isso.

Alguém te criticou pela sambada?
Não, eu fui até aplaudido no caso. Houve algumas críticas.

Que críticas?
Mandaram eu parar de sambar que eu fui ali a trabalho e não podia sambar. Mas, depois, a voz do povo é igual a voz de Deus e eu fiquei sambando até hoje. Mas eu vou consciente que eu estou a trabalho. Eu estou sambando, mas estou a trabalho. Hoje, eu já faço parte do desfile do Rio de Janeiro. Quem sabe eu não faço em São Paulo também?

E seus amigos: o que eles falaram quando você sambou?
Cada um tem uma arte, tem um dom que Deus deu para cada um. Não é porque eu consegui e eles, hoje, não conseguiram, que eles não me aplaudem.

O que eles acham do seu sucesso?
Eles me dão força, me mandam seguir em frente e não baixar a cabeça. Esquecer os olho grande e os mau olhado em volta.

Tem muito isso, né? Dentro da própria Comlurb?
Tem, ainda existe muito isso. Dentro das vinte quatro horas do nosso dia-a-dia sempre tem isso. Até contigo também tem.

Como você lida com tudo isso, então?
Primeiro, eu agradeço a Deus e nunca baixo a cabeça para humilhações, enganações, críticas e elogios. Eu continuo sendo o mesmo.

Quer dizer, você ainda é o mesmo Renato de antes de 97?
De 97, de 64, de 70, de 80, de 2003. Eu sou o mesmo. Não mudou nada.

Mas as pessoas te reconhecem na rua?
Reconhecem. Eu e meus colegas somos todos reconhecidos. Todos os garis, a Comlurb inteira.

O que você diria para as pessoas que são ignoradas?
Trabalhar com amor, carinho, dedicação, esquecer as raivas, o rancor e o preconceito. Trazer dentro de si, todo dia, a paz e a alegria que Deus deu para cada homem nessa Terra.


E as pessoas que ignoram?
São pessoas que têm cabeça fechada, que não têm a capacidade de chegar onde o outro chegou e aí faz isso. (Mas, por dentro, eles gostam.) É que eles não têm capacidade e nem peito para fazer a profissão que Deus deu. Para mim, no caso, é sambar; para outro, é batucar; para outro, é dançar. Então, quem fala mal não tem capacidade de fazer isso.

Mas quem ignora o funcionário público: o que é, então?
É uma pessoa fechada, de mal consigo mesmo.

Como é a relação com a sua família agora?
Cara, eu sou o mesmo dedicado. Continuo sendo o mesmo brincalhão, chefe de família, pai, dono de casa, ainda continuo pagando meu aluguel e suando a camisa. Não mudei nada.

A que horas você sai de casa?
Saio de casa 4h15 da manhã, de 4h15 a 4h30.

Quantas conduções são? Quantas horas você leva para chegar no serviço?
Duas. Levo quase duas horas. Uma hora e meia, mais ou menos.

Aí, você puxa das 6h à 1h?
Graças a Deus, né? Eu levanto a mão para o céu, porque eu tenho disposição para trabalhar. O aleijado não é aquele que está na cadeira de rodas ou na cama, o aleijado é aquele que não quer nada com a vida. A pessoa deficiente não é aquele que está deitado na cama, é aquele que não quer nada da vida e fica esperando cair do céu. Esse não consegue nada. Se eu acordo 4h30 e chego em casa meia-noite, eu levanto a mão para o céu. Eu chego em casa, todo dia, onze meia, meia-noite.

Por quê?
Porque eu faço Telecurso aqui na Comlurb. Tem o projeto escola, que eu estou acabando o primeiro grau. Depois, eu faço academia de dança que eu também ganhei através da Comlurb.

Então a empresa está de dando Telecurso e academia de dança?
A academia foi através da Comlurb. Foi um professor que me viu e eu queria aprender a dançar e ele me chamou.

Essa academia fica onde?
No Catete. No Dimes de Oliveira. Ele viu meu sacrifício, viu que eu era doido para aprender a dançar e me chamou. Isso eu agradeço à Comlurb por ter me dado essa chance.

Quantas vezes por semana você pratica dança?
De segunda à sexta.

Em que série você está no Telecurso?
Estou acabando a sétima série para ir para a oitava.

Pretende continuar o segundo grau?
Continuo.

Para as pessoas que sofrem preconceito, o que você diria?
Para elas levantarem a cabeça e, quando a pessoa falar alguma asneira, nunca dar ouvido a essa pessoa. Isso é despeito que uma tem da outra. É continuar o que está fazendo, ir em frente. Tu nunca pode pagar a má educação dele com a tua. Se ele é mal educado, você tem que ser bem educado.

Um bom dia faz diferença?
Ajuda muito. Um bom dia está em primeiro lugar. Um bom dia, uma boa tarde, aí tu já vê que a pessoa está a fim de fazer amizade e não tem preconceito. Um bom dia, um aperto de mão. Hoje, estão acontecendo essas guerras no mundo porque o homem está fugindo um do outro. Não tem mais aquela união de um bom dia, uma boa tarde. Hoje em dia, o funcionário chega para bater cartão, o chefe lá, o patrão, não quer nem saber, ele quer o cara lá dentro. Não quer nem saber porque o cara chegou atrasado. Bateu o cartão, está bom. Dá um bom dia para o empregado e o empregado dá bom dia para o seu patrão, um abraço. O abraço é um grande amigo, não tem coisa melhor nesse mundo. O teu inimigo não é teu inimigo, é nossa cabeça que faz o inimigo.

Então, falta amor?
O homem precisa se voltar mais para Deus. Esquecer dinheiro, classe, esquecer tudo. Nós temos que ser unidos.

Isso acontece mesmo dentro da companhia?
Dentro de casa também acontece. Isso acontece em qualquer lugar. Às vezes, um irmão acorda e não fala com o outro, não dá bom dia, boa tarde. Isso não está errado? Não tem coisa melhor do que você passar na rua e um amigo falar contigo ou um inimigo te dar bom dia. São palavras que estão faltando no nosso dia-a-dia.

Você falou em inimigos. Você acha que existem pessoas contra você, hoje?
Contra mim não, eu tenho certeza. Meu inimigo era o meu pensamento. Eu consertei ele e não tem mais inimigo, não.

Como assim?
Eu achava que eu tinha inimigos e não tenho. É uma coisa da nossa cabeça.

Se não temos inimigos, o que temos então?
Tudo mundo é amigo porque, nas piores horas, um depende do outro. Uma dor de dente, um parto, um socorre o outro. Todos tem que socorrer.

Onde você mora?
Moro em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Você paga aluguel?
Pago duzentos. Água, luz, tudinho deve dar em torno de R$270, R$280.

E o resto?
Deus intera, eu corro atrás.


Quanto você ganha?
Isso eu não gosto de falar não. Porque um dia eu falei um valor X e meus colegas disseram que não era aquilo, não. Então, eu não gosto mais de dar essa opinião. Porque nós temos ticket refeição e vale-transporte, e eu conto isso no meu contra-cheque, eles não contam. Ticket refeição é dinheiro, mas cada um tem um modo de pensar diferente. Não sou eu que vai botar na cabeça deles que eu penso igual a eles. Por isso eu não falo dessa parte.

Quantos filhos você tem?
Eu tenho dois filhos e quatro enteadas, mas não moram comigo não. Estão todos casados, já moram sozinhos, mas fazem parte da família, porque eu estou com a mãe deles. Meus dois filhos são de outro casamento. Um chama Jefferson e outro Renan.

Eles moram com você?
Não, moram com a mãe. Só mora eu e minha esposa, só nos dois em casa.

Na sua vila, as pessoas te procuram para você dar uma força?
Me procuram muito, muito. Um ajuda o outro. Lá no bairro, nós somos muito unidos. Um depende do outro, um fala com o outro, nós estamos sempre dando força um para o outro.

Para fechar então, invisibilidade pública não existe?
Não, isso não existe em ninguém não. Cada um tem um modo de pensar diferente. Não sou eu ou você que vai botar dentro da cabeça de cada um que tem que pensar diferente. Pensar e falar é livre. O homem fala e pensa o que quer.

Mas se as pessoas buscarem um maior contato?
Isso vai ser determinante. A pessoa precisa ter o contato com o outro e sempre que apertar a mão, der bom dia, boa tarde, a pessoa precisa dividir seus problemas com o outro, vai ver que um depende do outro e que todos nós temos problemas. Tem uns que a estrela brilha mais e outros que a estrela brilha menos, isso aí é coisa de Deus, a gente não pode explicar isso.

A sua casa tem que tamanho, Renato?
É "um por um" que fala. Um quarto, um banheiro, uma sala, uma cozinha. Se vocês quiserem uma força no Carnaval, pode me arrumar uma escola para desfilar que eu vou desfilar para vocês. Meu sonho é dar aula para os gringo, quem sabe um dia eu consigo dar aula. Quem sabe, um dia você não pode ser meu aluno.

Qual é a sua religião?
Minha religião é Deus. Cada um tem um Deus diferente, mas todos são iguais. Eu sou católico, mas vou só de vez em quando na igreja. É o homem que pensa coisas más, que faz o mau para os outros. Porque Deus não quer o mau de ninguém. Tudo que eu faço, falo, ganho, eu agradeço a Deus. Se ganhar um não, eu agradeço a Deus, porque lá na frente eu sei que vão vir dois sim. Deus faz a obra na nossa vida sem querer. Devagarzinho, Deus vai pondo a obra na nossa vida. É só a gente parar, pensar e querer. A escada é longa para todos nós, queira ele seguir a escada ou não. E Deus te abençoe.

Texto extraído do site: www.eca.usp.br/claro

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