domingo, 9 de dezembro de 2007

A MAGIA DA VIDA

Este espaço é dedicado a pessoas que acreditam em magia. O poeta Antônio Maria dizia que “a vida é uma teia de laços mágicos”. Alguém duvida? E eu ainda acredito em Maiakóvski. O poeta russo lembra que “o coração tem domicílio no peito”. Mas, comigo a anatomia fica louca. Por vezes, sou só coração”, como o próprio poeta. Mas é desta forma que a vida se expande ou se encolhe, de acordo com a coragem de cada um de se jogar por inteiro em cada ato, em cada gesto. Ora, se você faz parte dos audaciosos, seja generoso e compartilhe com todos a sua experiência única e irreversível de vida. Aproveite este espaço e dê maior colorido, perfume e feitiço a esta maravilhosa aventura que é viver. Colabore.


A bióloga brasileira, Iraci Guasque Welte, casada com Valdir Roberto Welte, médico-veterinário, cientista brasileiro e atual representante, no Paraguai, da FAO – Organización de las Naciones Unidas para la Agricultura y la Alimentación – em carta à família, faz um relato ímpar sobre a viagem do casal a Santo Inácio, a primeira redução jesuítica fundada no Paraguai, no século XVII.Ela descobre a história de Crianças que não Existem.

Assunção, novembro de 2005

Meus amores:

No último fim de semana, estivemos, Valdir e eu, nas Missões Jesuíticas. Fomos com nossos amigos Federico e Carolina. A viagem foi longa e cansativa, pois o carro deles estava na frente e ele não corre como o Valdir. Percorremos 400 quilômetros para chegar ao destino. Foram cinco horas e meia de viagem.

Paramos em uma das cidades, que faz parte das Missões. Chama-se Santo Inácio e foi a primeira redução jesuítica fundada no Paraguai, no século XVII. Nela, visitamos um museu de obras do barroco jesuítico. Está localizado na única construção que restou e que era o colégio da Ordem. É interessante, embora tenha pouca coisa. Chegamos ao nosso hotel lá pelas 2 horas da tarde. Eu estava morta de fome. Os três, do outro carro, tinham levado sanduíches. Teve uma hora em que apelamos para eles.

O hotel em que ficamos está a 15 quilômetros de Trinidad, a Redução mais importante do Paraguai e, segundo dizem, a mais bonita de todas, incluindo Brasil, Argentina e Bolívia. As ruínas são realmente muito bonitas. Ainda restam intactas uma capela e a sacristia ao lado da igreja, que era imponente. A conformação era sempre a mesma: a igreja, ladeada pelas instalações dos missionários, uma grande praça e, em frente destas, as casas dos índios.

O domingo amanheceu mais fresco do que o dia anterior. Tomamos café e fomos mais cedo até as ruínas. Queríamos visitar a capela, que fica fora do complexo. A região é de colonização alemã. Ali, descobrimos um novo Paraguai: mais verde e mais limpo! Na noite anterior tínhamos ido assistir a um festival de corais da região. Uma coisa muito "cidade do interior" com coros de escolas e igrejas. Mesmo as músicas regionais eles cantavam em alemão. Mas cantaram também em guarani e espanhol. Era um salão comunitário ou de uma associação, não sei. Havia muitas famílias, com crianças loiras correndo por todos os lados, comendo e tomando refrigerantes. No local, nós parecíamos uns ETs. Mas foi legal!

Voltando ao domingo. O concerto foi feito por uma Academia de Veneza, que se chama "Ars Canendi". Eles fazem parte de um movimento de vários países da Europa, que tentam resgatar as partituras de composições feitas nas reduções, pelos jesuítas e até pelos índios guaranis, que tinham uma musicalidade fantástica.

O maestro é paraguaio, mas vive na Itália há dez anos. Ele fazia pesquisas aqui, no Paraguai, antes de ser convidado a fazer parte do movimento. Quando os jesuítas foram expulsos do país, há 300 anos, muitos dos registros se perderam ou ficaram no esquecimento. Partituras foram encontradas em uma latrina, onde eram usadas como papel higiênico. Tudo o que pode ser resgatado foi levado para a Europa. Ao longo deste tempo, composições inéditas, muitas vezes de autores anônimos, vêm sendo executadas. Tivemos o privilégio de ouvir algumas delas.

A chuva tentou atrapalhar, mas não conseguiu. Eles começaram o concerto ao ar livre, mas a chuva engrossou e tivemos que entrar na sacristia, o único local coberto. Ficamos como sardinhas em lata. Tudo mais ou menos confundido e em pé. Os lugares reservados para embaixadores (da França, Itália, Suíça, Venezuela e outros que não foram), políticos, funcionários internacionais e autoridades locais, nas primeiras filas, deixaram de ter razão de ser. Todos confundidos e colados uns aos outros, assistíamos a um concerto emocionante! O povão vibrava com as composições feitas pelos índios, cantadas em guarani.

O maestro nos contou a história fantástica de um violino stradivárius, que veio parar nas Missões e era copiado por artesãos da Bolívia. O mesmo modelo de violino continua sendo feito até hoje, pois o processo foi passando de pai para filho. Ele é mais leve, funciona perfeitamente e tem um som maravilhoso. A obra de arte é feita por uma pessoa simples, que o vende como artesanato por apenas 15 dólares. E esta pessoa toca, neste violino, trechos de Vivaldi, sem saber quem é, pois a música foi passando de pai para filho. Não é uma história fantástica?!

Na terça-feira assistimos ao concerto, na capital, em Assunção. A catedral estava lotada. Foi também um concerto lindíssimo, mas sem a magia da sacristia de Trinidad! Desta vez, praticamente todos os patrocinadores estavam presentes: embaixadas da França, Espanha, Itália, Alemanha, entre outros, e o pessoal do escritório da primeira dama, que estava ausente.

O concerto final, antes de voltar para a Itália, foi um mega-espetáculo na praça da Catedral. Dele, também participaram 500 crianças e adolescentes de todo o país. Trata-se de um concerto para as crianças que não existem, isto é crianças de todo o Paraguai que não têm certidão de nascimento, ou qualquer outro documento. É em apoio a uma campanha para que cada criança possa ter seu registro.

Está sendo a semana das emoções insólitas. Fomos convidados, pela embaixada mexicana, para participar da "Ofrenda del día de muertos", con tequila e pan de muerto de honor. Foi diferente e divertido. Como chegamos cedo, o embaixador nos explicou toda a tradição. Com a tequila vinha o sal e o limão e cada um se servia. (Ai! me bateu as saudades dos "tequila bumbum”, que o Fabian fazia em Roma, quando morávamos lá!)

Serviram também vinho, refrigerantes e salgadinhos, antes do "pan de muertos", que é doce. Uma italiana de Palermo nos disse que eles também têm uma festa parecida, só que o pão é salgado e com anchovas. Ela disse que, quando era criança, morria de medo, pois os mortos traziam brinquedos para as crianças, como a "befanna".

Beijos;

Iraci Welte


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