Aquilo ficou girando na minha cabeça.
As velas (I)
Ao largo de mim passam as velas da vida
de cores fortes e outras esmaecidas,
algumas mais lentas e outras velozes
levando pessoas com os rostos voltados
para mim e para o outro lado,
onde é sempre entardecer.
Agita-se o mar, tem hora,
mas no mais das vezes
é sempre manso e amigo
e as pessoas estão felizes e calmas.
Essas pessoas não me vêem
e eu sempre imagino que por lá,
nessas embarcações,
os dias despertam e anoitecem
com uma música que nunca ouvi.
Mas eu não sei...
Eu fico a olhar o largo
e as velas da vida que passam por mim.
As velas (II)
Não, não são as velas brincalhonas, nostálgicas
e donas do mistério de manter a luz dentro da noite
e das pupilas do silêncio que são as mais felizes.
Não, elas não o são.
São felizes as velhas que estão nessas cadeiras
antigas e nuas a balbuciar ave-marias centenárias
e quase sem lembranças.
Essas mulheres que trazem no rosto o desalinho da vida
conhecem o gosto da felicidade e o profundo das noites,
o sabor amargo da solidão e o doce dos amanheceres,
apesar de tudo.
Elas sabem de quantas lágrimas compõe-se a vida
e o armazenamento dos sorrisos
que o coração consegue guardar;
inventaram canções de ninar para pequeninos,
ao lume dos lampiões, deitaram roupas molhadas
em capim na beira de rio, correram de chuvas e vacas,
de cães e saci-pererê.
Esperaram pelos homens e canções,
dormiram depois do amor feito,
descobriram-se dos acolchoados
e costuraram travesseiros com cheiros de marcelinha.
São felizes essas velhas que dialogam
com a morte e os mortos, despertam de madrugada,
ressonam sem medo algum, caminham serenas (sem pressa)
nos peitos que nunca vi.
Não são as velas, donas das luzes de ouro,
as mais felizes da noite, parodiando bocejos do sol.
Digo-lhes, portanto, que felizes não são as velas,
são as velhas que estão assim, rindo loucamente,
a brincar de roda com a loucura da vida.
Zeca Corrêa Leite
PS.: Zeca, querido, este espaço
Nenhum comentário:
Postar um comentário