Mário Jorge, Antônio Loyola Vieira
e Francisco Luiz Macedo Júnior (no centro)
Nasceu em Curitiba em
21 de fevereiro de 1955.
O segundo filho de Albina Reis de Macedo e do juiz Francisco Luiz
Romaguera de Macedo pertence a uma tradicional família de magistrados.
Nasceu em Curitiba em
21 de fevereiro de 1955.
O segundo filho de Albina Reis de Macedo e do juiz Francisco Luiz
Romaguera de Macedo pertence a uma tradicional família de magistrados.
Há poucos dias ele era juiz substituto do
Tribunal de Justiça do Paraná.
Menino, cresceu entre livros de direitos, Cartas Magnas,
Tribunal de Justiça do Paraná.
Menino, cresceu entre livros de direitos, Cartas Magnas,
advogados e juízes, deslumbrado pelas lutas encetadas
dentro da própria casa em favor
de carentes e injustiçados.
Idealista, a paixão pela Justiça o
tornou um sonhador, um visionário.
Mas a tragédia que ganhou o título de
“As Bruxas de Guaratuba”, com
os seqüestros, torturas e prisões da mãe
e da irmã da sua própria mulher,
de carentes e injustiçados.
Idealista, a paixão pela Justiça o
tornou um sonhador, um visionário.
Mas a tragédia que ganhou o título de
“As Bruxas de Guaratuba”, com
os seqüestros, torturas e prisões da mãe
e da irmã da sua própria mulher,
ou da avó e da tia de seus próprios filhos,
causou-lhe dor, revolta e indignação tão grandes
causou-lhe dor, revolta e indignação tão grandes
que o fizeram caminhar no limite de suas forças.
A cada dia, os fatos desafiavam
a sua fé na Justiça.
Impedido de agir pelo exercício da própria ética profissional,
A cada dia, os fatos desafiavam
a sua fé na Justiça.
Impedido de agir pelo exercício da própria ética profissional,
da qual jamais abdicou,
o juiz Francisco Luiz de Macedo Júnior
extravasou todo o
seu sofrimento em uma poesia.
Depois de muito sofrimento e anonimato,
no dia 30 de outubro de 2008, por
tempo de serviço, sem outra alternativa,
Francisco Luiz Macedo Junior assume o posto
de desembargador do Estado do Paraná.
Enfim, uma vitória da Justiça
o juiz Francisco Luiz de Macedo Júnior
extravasou todo o
seu sofrimento em uma poesia.
Depois de muito sofrimento e anonimato,
no dia 30 de outubro de 2008, por
tempo de serviço, sem outra alternativa,
Francisco Luiz Macedo Junior assume o posto
de desembargador do Estado do Paraná.
Enfim, uma vitória da Justiça
Neste dia memorável,
Francisco Luiz Macedo Junior teve voz e discursou.
Eis a fala de Sua Ex.cia:
Exmo. Sr José Antonio Vidal Coelho
Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Ex.mas autoridades já nominadas.
Ex.mos colegas desembargadores.
Senhores funcionários e serventuários da Justiça.
Queridos familiares, amigos e amigas.
Senhoras e Senhores:
Como o escolhido para falar pelos três empossandos, muito refleti sobre o que dizer hoje, pois ao mesmo tempo em que precisava externar nossa alegria e honra por chegarmos ao mais alto grau da magistratura paranaense, era preciso deixar uma mensagem que traduzisse nossas carreiras e nossos anseios sobre o futuro.
Mas como minha promoção está se dando devido ao tempo de serviço, impossível não falar de algumas experiências vividas, especialmente daquelas que marcaram minha vida como juiz e que trouxeram ensinamentos profundos, criando o dever de compartilhá-las.
Por isto, aliando isto tudo, peço vênia a todos, para falar um tanto de mim e destas experiências.
Impossível não voltar o pensamento para os remotos tempos em que, criança ainda, sempre respondia aos que me perguntavam sobre o futuro, dizendo que seria Juiz. Que seguiria os passos primorosos do meu Avô. Magistrado impecável, inigualável como jurista e como Avô e a quem, incessantemente, sempre procurei imitar.
Depois de formado pela faculdade de direito da Universidade Federal do Paraná, tentei montar um escritório de advocacia. Mas tive tão poucos clientes que desisti. Resolvi, então, que era hora de me tornar Juiz. Larguei os processos dos três únicos clientes que havia conseguido e fui fazer o curso da Escola da Magistratura, onde, com prazer, aprendi muito do que necessitava para o concurso.
Tive a honra de participar, como aluno, do primeiro curso da Escola da Magistratura do Paraná, sendo que hoje, com muito orgulho, sou de lá professor, isto junto aos dois colegas que aqui, também, estão sendo empossados.
Gostaria de salientar a importância da escola, tanto para a formação do juiz humano, quanto para um semear do futuro jurídico, exaltando os Colegas Antonio Loyola e Mario Helton, que tem se demonstrado verdadeiros semeadores do saber, ao incentivarem, com suas posturas, a nossa juventude, hoje tão carente de bons exemplos.
Antes de freqüentar a Escola da Magistratura eu havia participado de quatro concursos públicos para carreiras jurídicas, sendo que depois de concluí-la, logrei aprovação em três concursos, simultaneamente. Passei no concurso para Procurador do INSS (primeira fase); no de Promotor de Justiça do Estado do Paraná e, por último, no de Juiz.
Não queria sair daqui, por isto não participei da segunda fase do concurso de Procurador – que seria em Brasília. Resolvi não assumir o cargo de Promotor, preferi ser Juiz e seguir os passos do meu Avô. Assim, fui nomeado como Juiz Substituto de Paranaguá, assumindo minhas funções no dia 5 de julho de 1986.
Lembro que fui recebido no fórum pelo Dr. Tuffi Maron. Ele estava somente esperando que o Substituto viesse, para poder usufruir das férias coletivas – que estavam suspensas por falta de quem o substituísse.
Assim que me instalei, ele se foi e eu me vi defronte a milhares de pedidos de habeas corpus e de liberdade de réus perigosos, que os advogados estavam esperando para distribuir para o juiz novato, na esperança que fossem, todos, deferidos.
Aos trancos e barrancos fui dando conta do que pude, auxiliado pelo escrivão criminal, que ciente das dificuldades iniciais, sempre trazia uma pilha de processos semelhantes, para despachar.
Hoje percebo a perspicácia daquele escrivão, ao trazer aqueles processos quase iguais e que nem precisavam ser despachados. Ele sabia que eu iria ler a todos eles e verificar como os juízes titulares haviam decidido os casos semelhantes e neles me espelhar.
Em Paranaguá aprendi o valor da solidariedade, tanto dos funcionários, como aquele escrivão, como entre os juízes, que depois das férias, muito me ensinaram e incentivaram.
De Paranaguá fui promovido para a comarca de Jaguapitã, situada entre Londrina e Maringá e que era composta pela cidade de Jaguapitã e pela cidade de Guaraci, ambas com cerca de 15 a 20 mil habitantes.
A casa do Juiz estava aos pedaços, imprópria para moradia e como nestas cidades todas as residências eram ocupadas pelos seus proprietários, nada havia para alugar. Eu tive que pedir autorização ao Tribunal para residir fora da Comarca. E, como acabei recebendo esta autorização, o prefeito municipal de Jaguapitã resolveu assumir a reforma da casa do Juiz, pois os munícipes estavam reclamando que nem o Juiz morava na cidade.
Com a reforma a casa ficou habitável e lá - eu, Carmela e o Guilherme (que havia nascido enquanto eu era Juiz de Paranaguá) moramos por pouco mais de três anos. A Júlia nasceu nessa época. E nós quatro vivemos felizes naquela casa de madeira, rodeada por frondosas árvores, que haviam sido plantadas por um de seus antigos moradores e que proporcionava uma beleza peculiar, principalmente ao pôr-do-sol.
Eu era o único Juiz da comarca, exercendo a jurisdição em sua plenitude. O Desembargador Xisto Pereira chegou a atuar naquela comarca, nessa época, isto como Promotor, substituindo a Titular Dra Maria Tereza Wille.
Não consigo esquecer que foi em Jaguapitã que comprei o meu primeiro computador, isto junto a outros poucos juízes, que na época foram considerados como modernistas.
Aproveitamos uma promoção efetuada junto a Associação dos Magistrados, sendo que a empresa vendedora também nos deu um curso, para podermos usar o computador.
Aquilo era uma máquina imensamente grande, se comparada aos laptops de hoje. A máquina funcionava apenas no sistema DOS. O Windows ainda não havia sido inventado. Tínhamos que usar disquetes enormes, um para carregar o sistema DOS e outro para o programa editor de texto. Os arquivos eram gravados em um terceiro disquete. Assim, o usuário ficava o tempo todo trocando os disquetes, para não perder tudo quanto tinha feito. Como era necessário digitar os comandos próprios para cada ação foi preciso aprender quais eram os comandos do DOS, isto através da leitura de um livro enorme, de quase seiscentas folhas. A impressora era matricial, que usava formulário de folhas contínuas, sendo que às vezes disparava, inundando o ambiente com pilhas e pilhas de papel, que se esticadas, poderiam ir da minha casa até o fórum e ainda voltar.
Os conservadores, sempre renitentes quanto a novidades, afirmavam que era mais fácil usar a máquina de escrever. Isto me lembrava o meu avô contando que, em seu tempo, as sentenças deviam ser redigidas de próprio punho, pelo magistrado, sob pena de nulidade. Ele esclarecia que havia medo sobre possíveis falsificações, medo de que as páginas datilografadas da sentença pudessem ser substituídas por outras - diferentes. Mas sempre concluía que isso era uma besteira, até porque dificilmente ocorreria, mas que perdurou até que algum iluminado lembrou-se que o magistrado poderia autenticar as páginas da sentença datilografada, com uma simples rubrica, garantindo a certeza de que somente as páginas rubricadas seriam as verdadeiras.
Lembro que as primeiras sentenças computadorizadas fizeram extremo sucesso no fórum local, principalmente entre os advogados, que se disseram incentivados a, também, entrar na era da informática.
Como aprendi certos conceitos de programação naquele livro enorme, consegui confeccionar um programa que efetuava cálculos para imposição de pena. Era só alimentar o computador, dizendo qual era o crime e ir acrescentando as circunstâncias elencadas no artigo 59 (sobre a personalidade do réu, o grau de culpa, os motivos do crime, etc.) que a máquina calculava a pena, para a aplicação.
Mas embora toda esta modernidade e evolução tecnológica, foi nesta comarca que pude ver, muito de perto, a verdadeira face da miséria, que exige mais e maior humanidade dos órgãos públicos.
Lembro que estava a inquirir a vítima de um furto, que contava resoluta, como os fatos haviam ocorrido.
- Doutor, dizia o homem, eu estava prá dormir, quando ouvi os gritos de socorro vindos do chiqueiro, atrás de minha casa. O senhor sabe, continuou ele, os porcos gritam por socorro, feito gente, já ouviu ?
Eu apenas sorri e ele continuou.
- Fui verificar e encontrei esse meu vizinho. Disse apontando para o pobre réu sentado ao fundo da sala, ele estava roubando um leitão, enquanto todos os porcos gritavam desesperadamente. Eu o chamei, pois o conhecia. Mas ele fugiu correndo e desapareceu. Eu, então, fui rápido até a Delegacia, que fica no fim da minha rua. Fui atendido pelo plantão, que com cara de sono demorou a entender o que eu estava querendo. Ele não queria ir até a casa do réu, alegando que estava sozinho ali e não podia deixar os presos. Como mostrei que a casa onde o réu morava era pertinho, ele resolveu me acompanhar e lá fomos nós dois. Quando a Platão bateu na porta da casa, a mulher do réu é que veio atender.
- Doutor, disse ele, após uma pausa de expectativa, foi só o tempo de ir até a delegacia e voltar até ali. Mas quando chegamos o réu e seus filhos já estavam comendo o meu porco. Não deu tempo prá cozinhar... Eles estavam comendo o porco cru...
- Doutor, o plantão não agüentou e vomitou na porta da casa do homem. Depois que se recompôs, nós fomos, todos, prá delegacia. Levamos a carcaça do porco para o termo de apreensão. Depois de muita conversa o plantão acabou liberando o homem para se apresentar no dia seguinte e me devolveu a carcaça. Eu acabei ficando com pena daquelas crianças e resolvi levar o que restou do porco para elas. Fiquei na casa deles, até que a carne ficasse bem cozida e própria para ser digerida.
- Tá certo que ele roubou. Mas são muito pobres. Ele roubou para dar de comer a seus filhos. Se puder, doutor, quero retirar a queixa.
Depois de ouvir aquela história, eu olhei para a Dra Maria Tereza e ambos asseveramos que o caso era de absolvição por crime famélico e que a vítima podia ficar descansada, pois o réu não iria preso.
Naquela noite dormi mal, sonhei que marchava em direção a capital do país, junto a milhares de crianças miseráveis. Na frente seguia o escrivão, a Promotora e o advogado do pobre réu, que empunhava uma bandeira onde estava escrito: “Pátria do povo do porco cru”.
Claro que nunca marchei para Brasília, mas aquilo me marcou tanto, que tive a certeza que para julgar era necessário muito mais que uma máquina de calcular pena, era imprescindível a humanidade, pois esta é inseparável da idéia de Justiça. Foi, então, que acabei jogando fora aquele programinha para cálculo de pena, no sentimento de que era mais próprio a um matemático que a um Juiz.
Até hoje sempre procuro contar tudo isto aos meus alunos, asseverando que os avanços tecnológicos não devem retirar o humanismo do juiz. Aproveito o estudo sobre a validade de algumas leis, como a que permite que o interrogatório do acusado possa ser feito a distância, nas dependências da própria prisão, através de câmeras digitais, perguntando se isto não está a retirar a única possibilidade do pobre réu, pessoalmente, poder justificar sua atitude perante aquele que irá julgá-lo.
De Jaguapitã fui removido para a Comarca de Pitanga, para onde também havia ido a Dra Maria Tereza. Fiquei na Vara Criminal.
Em Pitanga existiam duas Varas, uma cível e outra criminal e naquela época o fórum estava em reforma total. Iria ser totalmente remodelado, para abrigar quatro Varas e o prédio antigo, por isto, foi posto abaixo. Ocorre que o orçamento apertou e as obras foram paralisadas.
O Tribunal alugou o andar térreo de um prédio de um serventuário e nele instalou as duas Varas, mas isto, em face da provisoriedade, em precaríssima situação.
Tratava-se de um salão que tomava o prédio inteiro, mas que era dividido ao meio, pela escada que levava aos andares superiores. A Vara criminal ficou de um lado, enquanto a cível do outro, como se fossem dois fóruns distintos, sem comunicação entre si. A cantina ficou do lado criminal, assim, pelo menos, quando chovia, eu não precisava me molhar para tomar café, como ocorria com o Juiz da Vara Cível. Em compensação, o prédio não possuía espaço para o Júri e por isto usávamos o salão paroquial, situado bem à frente do fórum.
Era um imenso salão de madeira, próprio para os bailes e festas da igreja, tanto que existia um palco grande, onde foram instalados os móveis do Júri. A mesa do Juiz; a bancada dos Jurados e da defesa, foram dispostas de modo a que o resto do palco fosse usado como plenário, para os debates.
Os julgamentos eram marcados de quinze em quinze dias, isto durante a semana inteira, tal era o volume de processos daquela comarca. Eu até achava adequado os debates naquele palco, com o povo sentado nas mesas da platéia, embora poucas vezes tivéssemos alguma assistência.
O problema era quando aos sábados o padre alugava o salão para seus bailes, pois na segunda feira a servente tinha trabalho pesado para limpar o local, retirar as garrafas de cerveja e os restos de bebida alcoólica esparramada pelo chão. Nessas festas, os móveis do fórum eram usados pelos festeiros. A mesa do Juiz para colocar a aparelhagem de som. A bancada de jurados, como balcão do bar e assim por diante. A única coisa que a servente fazia questão de retirar do local era o crucifixo da parede, isto porque acreditava que Jesus Cristo preferia não ver o que acontecia naqueles bailes.
Nós nem podíamos reclamar do uso dos móveis do Júri, pois devido à falta de verbas, o Tribunal acabou deixando de pagar o aluguel e o padre somente não nos despejou, porque podia ter lucros com as adaptações festeiras daqueles móveis.
No fórum, tanto do lado criminal, como do cível, as salas eram separadas por divisórias, feitas com a madeira do forro do antigo prédio. Não eram divisórias fixas no chão e sim um amontoado de taboas formando paredes, em cima de pequenos cavaletes, que as mantinham em pé. Nelas não se podia encostar, pois desabavam, deixando à mostra o ambiente ao lado. Não iam até o teto e ali, tudo que se conversava em uma sala, todos ouviam, sem exceção, impedindo a privacidade, inclusive, dos depoimentos. Por isto, quando havia mais de uma pessoa para depor, éramos obrigados a exigir que os demais esperassem lá fora, na calçada, sob pena de depoimentos repetitivos ou contestatórios.
Toda esta dificuldade estrutural acabou unindo aos que trabalhavam ali, bem como aos advogados, que à tarde ficavam na cantina a contar casos pitorescos e divertidos, talvez na esperança de minorar, pelo divertimento, os dissabores daquela falta de estrutura.
Estas reuniões no café, na querida Pitanga, ensinaram-me o valor da união, para sobrepujar as dificuldades e se conseguir um futuro melhor.
Não posso deixar de lhes contar aqui, um destes “causos” (como eles chamavam as histórias que contavam), até porque revela bem duas características do povo simples deste país – a crença na justiça e a desinformação jurídica.
Diziam que o sitiante estava às turras com seu vizinho, que criava um porco cachaço solto, em vez de trancado num chiqueiro. Para quem não sabe – cachaço significa “pescoço grosso”, sendo palavra usada em sentido figurado, para soberba, arrogância, coisa própria do animal que não foi castrado.
O tal cachaço, por não conhecer seus limites, vivia invadindo a horta do sitiante para comer suas verduras e isto causava brigas entre os vizinhos.
Um belo dia, o sitiante estava (como no interior se diz) “carneando” um cabrito para seu churrasco, isto junto a seu fiel cão chamado compasso. Para “carnear o bicho”, depois de matá-lo, o pendurou em uma árvore, deixando escorrer o sangue e para uma melhor posição a fim de retirar o pelego. No meio desta operação, resolveu tomar uma cervejinha. Assim, fincou o facão no chão e foi pegar a cerveja.
Nisso, o esperto do cachaço, confundindo o facão com alguma coisa comestível, passou correndo e o abocanhou, pelo cabo.
O cachorro compasso, ao ver o ladrão, não teve dúvidas de sair em sua perseguição.
O porco corria, segurando o facão na boca e compasso o perseguia.
Mais adiante, compasso alcançou o cachaço e conseguiu morder sua orelha.
Inteligente, o cão pensou em puxar a orelha do porco para trás, a fim de derrubá-lo. Mas, nessa manobra, como o cachaço estava com a faca atravessada na boca, ao ser obrigado a virar a cabeça para o lado do cão, acabou lhe enfiando a faca no peito.
Compasso caiu morto ali mesmo, enquanto o cachaço embrenhou-se no mato em fuga.
O sitiante, que amava ao seu fiel amigo compasso, foi ter com seu vizinho. Queria a prisão do assassino, além de indenização.
Como o vizinho nem lhe atendeu, o sitiante foi até a delegacia, noticiar o crime.
Na delegacia foi atendido pelo escrivão “carioca”, que era assim conhecido por ser esperto e brincalhão, principalmente quanto à falta de estrutura local.
Carioca lhe asseverou que na inexistência de testemunhas do crime, no mínimo seria preciso um bom exame de necropsia, pois do contrário nada poderia ser provado. Disse, ainda, que o Instituto Médico Legal ficava em Guarapuava e que somente lá é que tal exame poderia ser feito.
Arrematou, por fim, que como normalmente as pessoas se acomodam e não ajudam na produção de provas, “cachorricídios” como aquele - sempre restavam impunes. E que isto não era culpa da polícia, que tinha casos muito mais graves para resolver e sim dos próprios lesados, que não ajudavam e só reclamavam.
O sitiante, se vendo desafiado, resolveu, então, ir até Guarapuava, para fazer a tal necropsia. Colocou o compasso numa caixa de papelão e no dia seguinte foi de ônibus até Guarapuava.
No IML nem foi atendido. Ao contar sua história foi motivo de risos, acabando por ser enxotado de lá.
Não consegui voltar no mesmo dia, tendo que dormir sentado, nos bancos da rodoviária, para pegar o ônibus da manhã seguinte.
Na volta, ficou num banco dos fundos do ônibus, sempre com a caixa de papelão no colo.
No meio do trajeto, alguém começou a reclamar do cheiro de carniça dentro do ônibus, que estava tão insuportável, que todos os outros passageiros, reunidos, expulsaram o sitiante dali.
Ele foi deixado no meio da estrada entre Pitanga e Guarapuava, com sua caixa de papelão.
Não vendo outra saída, vez que compasso já estava apodrecendo, o sitiante o enterrou na beira da estrada.
Mas para marcar o local, fincou em cima da cova uma pequena cruz, onde entalhou a canivete os seguintes dizeres:
“Aqui jaz compasso, vítima de um suíno, um cachaço assassino. Morreu por fidelidade, na luta contra a maldade, sendo prova da impunidade”.
A infeliz brincadeira de Carioca demonstra o quanto é preciso se respeitar as limitações alheias, sobretudo num país de tão grande diversidade cultural, como o nosso – pois a verdadeira autoridade só é atingida por quem possui serenidade. Como diz o mestre Bobbio em seu livro “Elogio a Serenidade”, tal virtude, por ser exatamente contrária, é a maior arma contra a arrogância, a soberba e a prepotência, vícios que embora possam trazer uma momentânea aparência de poder, sempre acabam por revelar insegurança, fraqueza e ou incompetência.
Depois de Pitanga, fui para Apucarana e depois para Cascavel, cidades maiores, onde o volume de serviços pouco tempo deixava para outras relações, que não fosse a do Juiz para com seus processos.
Tanto numa, como noutra comarca, como sempre ocorreu, eu trabalhava até altas horas da madrugada, todo dia, isto como todos os magistrados sempre fizeram. Estranhamente, todo juiz sempre resolve os problemas alheios, enquanto os da própria família acabam sendo deixados para depois, numa espécie de ausência familiar... Não percebemos que os filhos cresceram, enquanto a pilha de processos foi diminuindo, que o tempo passou sem apelação e que qualquer tentativa de fazê-lo voltar, agora, é intempestiva. Na verdade nossa ausência familiar fez precluir alguns dos melhores momentos da vida dos nossos.
Pensando nisso, gostaria de fazer uma pausa silenciosa, para homenagear as esposas dos juízes, todas, nas pessoas de Rosário, Cecília e Carmela, que com compreensão e amor acompanharam a seus maridos, nesta senda sacrificante. Vocês é que merecem as honras que estamos recebendo hoje, pois pouco reclamaram sobre esta nossa ausência familiar e muito nos incentivaram, ou não chegaríamos até aqui.
Fiquei nestas duas comarcas pouco tempo, pois finalmente vim para Curitiba, atuando como Juiz substituto em várias Varas da Capital e onde acabei por constatar que possuía habilidade para a conciliação.
Fiquei maravilhado com a potencialidade referente à conciliação, pois através deste instrumento - o Juiz pode, efetivamente e de forma ampla, resolver o conflito existente, enquanto pela sentença, ele somente pode dizer e resolver as teses jurídicas apresentadas no processo, mas pouco ou quase nada pode fazer por aquilo que motivou o conflito. E, infelizmente, enquanto houver motivos, novos conflitos podem surgir.
Foi no Juizado Especial que eu consegui verificar a Justiça em sua mais cristalina versão, isto por constatar que existem aqueles que conseguem, com a autonomia própria dos seres iluminados, compreender os motivos e justificações do outro, acabando por perceber que os seus próprios motivos e justificativas podem ser harmonizados e integrados com os do adversário e então, conciliar.
Durante mais de oito anos eu vivenciei esta experiência gratificante, que muitos podem classificar como antítese jurídica, pois se preocupa, primordialmente, com o que motivou o conflito entre os envolvidos, na tentativa de resolvê-lo, deixando um tanto de lado as normas do direito (pois para isto existe a sentença). Neste método, o que tem maior importância é a vontade das pessoas envolvidas, são os sentimentos e a consciência dos que estão em conflito, pois não há melhor e mais rigoroso juiz, que a própria consciência pessoal.
Foram milhares de casos no Juizado, onde pude testemunhar a desinformação do povo simples frente às possibilidades do direito, bem como a necessidade de incentivo à autonomia popular, pois na medida em que as partes verificavam estas possibilidades, logo se agarravam nelas, resolvendo seus conflitos. Isto me provou o quanto a idéia paternalista é equivocada, pois a grande maioria das pessoas não quer uma autoridade a lhes tutelar os interesses, preferindo soluções próprias para seus problemas, até porque aquele que não consegue se desvencilhar da proteção paterna, dificilmente atinge a maturidade.
Vejo com tristeza que nem todos os juizados atuam no incentivo da autonomia popular, pois a grande maioria acaba preferindo “dar o peixe, em vez de ensinar o povo a pescar”. Isto me faz acreditar que seria bem mais proveitoso se as autoridades estatais (dos três poderes da república), em vez de se preocuparem só com o presente, atuando caritativamente e com extremado paternalismo, incentivassem a maturidade futura. Maturidade cultural, econômica, moral, enfim, maturidade plena.
Sempre acreditei que a família e o Estado podem ser comparados, pois a primeira é uma espécie de micro-estado. E nesse passo é fácil verificar que quando os filhos são pequenos, estando em estágio infantil, são os pais que resolvem, sem sequer perguntar, tudo quanto os filhos precisam. Na medida em que os filhos crescem, chegando a adolescência, é preciso ouvi-los, para impor limites e forjar o futuro.
Já quando ficam adultos, atingindo a maturidade plena, são eles mesmos que precisam se resolver. Assim, podemos dizer que um povo em estado infantil, dependente de autoridades paternalistas, só interessa a um Estado Ditatorial. Que um povo em crescimento evolutivo é próprio de Estados em Desenvolvimento. Mas que um estado de democracia plena, só existe quando seu povo atingir a maturidade.
Por isto, creio que o futuro dirá o quão importante é o papel desempenhado pelos incentivadores da autonomia, no sentido de uma independência pessoal rumo à maturidade social, pois daí sim, talvez possamos atingir o estagio ideal de uma sociedade sem conflitos e, de conseqüência, sem crimes.
O Juizado especial deixou saudades, tanto no meu coração, como na ideologia. Os colegas, os promotores, os funcionários e os conciliadores, todos, sem exceção, ainda moram no meu coração.
Dali, fui removido para a substituição de 2° grau, retornando a pureza do direito e a concretude dos documentos e certidões, onde vi o quanto é importante se dizer do direito com humanidade, principalmente para os que não possuem a autonomia necessária para se resolverem sem precisar da sentença da autoridade.
E por isto saliento o importante papel do Juiz nisto, posto que deve ser possuidor de uma ética impecável, voltada, principalmente, ao humanismo. É que não é possível se julgar as condutas alheias, quando as suas próprias possam ser condenáveis, muito menos é possível se julgar um conflito, sem o pensamento de que por trás de toda a papelada de um processo, existem pessoas, com sentimentos e expectativas sobre o justo e o correto.
Como ensina a filósofa Marilena Chauí, a ética é proveniente da consciência moral, que efetua juízos de valor sobre os acontecimentos, tendo como base o senso moral, que todos sabem, reside dentro da intimidade de cada ser. A Moral é aprendida pelos exemplos dados, derivada dos costumes e conceitos da cada nação. Mas a consciência moral só existe quando há autonomia, como já referi, pois a consciência só pode ser atingida através da firme vontade de se optar pela virtude.
A palavra autonomia vem do grego: autos que significa “eu mesmo” e nomos (lei, norma, regra). Aquele que tem o poder de dar a si mesmo: a regra; a norma; a lei - é autônomo e goza de autonomia e liberdade. Aquele, ao contrário, que não tem capacidade racional para esta autonomia é heterônomo, palavra que também vem do grego: hétero (outro), nomos (lei), ou seja – aquele que recebe do outro as regras a seguir.
A ética outra coisa não é que uma criação social quanto ao que seria bom, correto e justo. Provém dos costumes de uma nação. Assim, não é possível se falar em ética, quando o próprio Estado não é bom, correto ou justo, muito menos quando o povo não possui maturidade, ou capacidade de autonomia.
O Magistrado, como órgão do Estado, tem o papel de constituinte ético, pois ao dizer do direito, acaba ditando as normas sobre o que seria o bem e o que seria o mal, num trabalho incessante de construção social sobre o que é honesto, correto e bom.
Por isto, é possível afirmar que o Poder Judiciário possui o importante papel de análise ética e humanista do direito, com vistas à constituição de um futuro melhor.
Quero finalizar, salientando que me sinto engrandecido, pela diversidade de experiências vividas e por isto peço desculpas por falar tanto de mim e de minhas passagens como Juiz, mas faço isto embasado no fato de que o merecimento dos colegas, que hoje comigo são empossados, é bem maior, tanto que foram elevados ao mais alto grau de nossa carreira, isto por aclamação da maioria dos membros desta corte, enquanto eu acabei sendo alçado a este cargo, devido à lei consagrar que a experiência vivenciada, também tem importância.
Aliás, nisso, acho que a lei foi sábia, pois na medida em que recompensa a experiência, também incentiva a produtividade, o conhecimento, a sabedoria e a competência, que são os requisitos próprios para se atingir o merecimento para ser Desembargador.
Contei minhas humildes histórias, tanto porque forçam juízos éticos quanto a mensagem que quero aqui deixar, como também para saudar os meus dois queridos colegas, na esperança de que a minha pequenez, possa se engrandecer com o mérito que ambos possuem, principalmente como semeadores da ética humanista do direito, aos jovens e futuros juízes, como professores que são, na escola da magistratura.
Só me resta conclamar a todos para nos unirmos, na incessante perseguição de uma ética jurisdicional humanista, crendo que isto será fácil, pois um Tribunal, pela sua própria idéia de juízo coletivo, já concretiza a idéia de consenso.
É importante que nesta casa nunca esqueçamos que não passamos de simples instrumentos da Justiça que pensamos que efetivamos. Que nunca esqueçamos, que por trás dos documentos e certidões processuais, sempre existe o palpitar dos corações, daqueles que esperam e anseiam por uma Justiça verdadeira. É importante que atuemos como verdadeiros constituintes da ética social, incentivando a autonomia popular, com serenidade.
Muito obrigado.
(Francisco Macedo Filho, um dos três mais novos desembargadores do Estado do Paraná)
4 comentários:
Chefe Eterno! rs
Tive a honra de estar presente neste dia tão significativo para todos nós!
Pois todos, inclusive eu, que de alguma forma acompanhou seu sucesso sabe a alegria da sua conquista, e sabe que na realidade quem mais se beneficiou neste seu novo passo fomos nós - tutelados pelo Estado que é tão carente de Justiça.
Agora nova esperança, pois acredito que as grandes mudanças se iniciam naquilo que nos circundam!!
Parabéns, foi emocionante seu discurso! Foi como são todas as suas conversas, repleta de realidade humana!
E como sempre o sr disse, recheado de humanidade, que é o mais importante!
Um grande abraço para esse amigo que se tornou um grande norte para minha carreira profissional e minha vida espiritual!
Lilian Castelani
Olá, Lilian!
Seja bem vinda em meu Blog e ao fã clube do desembargador Francisco Macedo Junior, do qual eu sou capitã.
Como você, ponho fé em novos dias para a JUSTIÇA do Paraná, com a posse desses três valorosos guerreiros do bem.
Reforço: Foi um dia memorável para a Justiça!
Abraços a você;
Vania Mara
Obrigado Vânia, por tudo quanto faz na sua luta pela verdade, que muito inspira aos que conhecem o seu trabalho. Gostaria, porém , de dizer que os elogios deveriam ser dirigidos aos dois colegas que assumiram comigo.
Investigue e verá. Ambos são Desembargadores do Bem, pois primam por um humanismo ético.
Ex.cia!
Quanta honra a sua presença em meu Blog. Concordo com V. Ex.cia que os outros dois desembargadores merecem também elogios. Conheço uma parte da biografia de ambos e os admiro e respeito também.
Os, hoje, desembargadores
Mário Jorge, Antônio Loyola Vieira
e Francisco Luiz Macedo Júnior passam a ser uma espécie de "Barreira" a tudo o que está errado. É o Bloqueio para se fazer Justiça. Pelos três, tenho convicção, que "nada passará", como fazia Mercedes Ibarria.
Abraços fraternos e sucesso aos três;
Vania Mara Welte
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