quarta-feira, 21 de abril de 2010

VOCÊ NUNCA MAIS VAI LER JORNAL DO MESMO JEITO

(Tiradentes Esquartejado, em tela de Pedro Américo (1893).
Acervo: Museu Mariano Procópio)

Neste dia, 21 de abril, em que o Brasil
reverencia um de seus mártires da independência,
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes,
eu pincei dois trabalhos jornalísticos
de grande importância para
os brasileiros refletirem um pouco.
Além das observações lúcidas do jornalista Carlos Brickmann,
há "a entrevista do general Newton Cruz
ao jornalista Geneton Moraes Neto, no canal Globonews,
que foi quase ignorada pela grande imprensa.
E, no entanto, ele narra coisas notáveis,
como a proposta que disse ter recebido de Paulo Maluf,
então candidato á Presidência da República,
de mandar assassinar seu adversário Tancredo Neves,
ou a informação de que sabe
quem eram os militares que
queriam promover novo atentado a bomba,
logo após o atentado do Riocentro”.
Para quem não sabe desses fatos,
eu peço licença aos dois colegas – Brickmann e Geneton –
para publicar os dois importantes textos neste espaço.
Aproveitem

Circo da Notícia - Coluna de Carlos Brickmann

O veículo de comunicação ou o repórter é favorável ou contrário ao entrevistado? É fácil identificar: não requer prática nem tampouco habilidade. Se é favorável, o entrevistado "diz", "afirma", "mostra". Se é contrário, o entrevistado "alega", admite", "limita-se a dizer". No rádio, basta uma mudança no tom de voz do locutor, às vezes um leve deboche, para que se saiba se ele acredita ou não no que diz o entrevistado, se concorda com a notícia ou dela discorda. Na TV, nem é preciso prestar muita atenção: os apresentadores fazem caras e bocas, mostram claramente quem é que acham que tem razão.

Objetividade jornalística? Depende: se a notícia envolve um terremoto num lugar distante, basta o leve tom de tristeza no semblante do apresentador. Se a tragédia é mais próxima, as coisas mudam bastante conforme a posição política do veículo e do apresentador (ou do redator, ou do locutor). Se é favorável ao Governo Federal, apresenta com a máxima seriedade os dados sobre o excepcional volume de água que desabou sobre o Rio, dirigido por aliados do presidente Lula; e se refere ao descaso com que os sucessivos governos anteriores cuidaram da habitação popular e da ocupação das áreas de risco. Já no caso das enchentes de São Paulo, há sinais inequívocos de que se o Governo tucano fosse bom a cidade estaria preparada para chuvas ainda mais fortes. Se é favorável ao Governo paulista, o problema do Rio é causado pelo Governo e pela Prefeitura, que não previram a possibilidade de deslizamento dos morros; já em São Paulo a culpa é das chuvas, que teriam alagado até cidades de Primeiro Mundo.

Não é questão apenas política (embora, neste momento eleitoral, esteja cada vez mais fácil descobrir a posição partidária dos veículos e de suas estrelas). Há a guerra entre empresas favoráveis à Igreja Católica e as ligadas ao protestantismo neopentecostal, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus. E há as patrulhas militantes, que buscam qualquer deslize dos apresentadores ou dos veículos que não apreciam para iniciar campanhas de desmoralização.

Como diz o lema deste Observatório da Imprensa, você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito. Até o noticiário esportivo se contaminou, com a avaliação jornalística dos clubes sendo ligada à posição política que tomam na Confederação Brasileira de Futebol.

Vale a pena ser prudente: não leia um só jornal, não aceite uma única fonte de informação. Vale a pena ser observador: tom de voz, trejeitos faciais e escolha das palavras dizem mais sobre a posição dos veículos do que qualquer editorial.

OS CRIMES QUE NINGUÉM QUER VER

Este colunista não tem nada favorável a dizer sobre o general Newton Cruz, que foi comandante militar do Planalto durante a ditadura. Mas ocupou cargos da mais alta importância, incluindo a agência central do SNI, o terrível Serviço Nacional de Informações; conheceu os Governos por dentro; era companheiro dos generais que chegaram à Presidência da República. O que diz tem importância, portanto - ou por ser verdade, e nesse caso exige investigação, ou por ser mentira, e nesse caso exige punição. E, de qualquer maneira, o que diz pode configurar outro crime, o de ter conhecimento de fatos delituosos que ocorreram e, abdicando de suas responsabilidades, silenciar sobre eles.

A entrevista do general Newton Cruz ao jornalista Geneton Moraes Neto, no canal Globonews, foi quase ignorada pela grande imprensa. E, no entanto, ele narra coisas notáveis, como a proposta que disse ter recebido de Paulo Maluf, então candidato á Presidência da República, de mandar assassinar seu adversário Tancredo Neves, ou a informação de que sabe quem eram os militares que queriam promover novo atentado a bomba, logo após o atentado do Riocentro (veja a entrevista completa aqui ou leia o texto do próprio Geneton.

Muito bem: por que ninguém foi ouvir Paulo Maluf sobre a pesada acusação que lhe foi feita pelo general Newton Cruz? Ninguém foi investigar os passos do general no Rio de Janeiro quando, num encontro com militares-terroristas, disse ter mandado suspender o atentado que planejavam? Ninguém quis saber por que, sabendo que havia militares agindo fora da lei, fora da disciplina, fora da determinação de seu comando, não lhes deu voz de prisão, no momento ou mais tarde?

E não é só a imprensa: o Ministério Público já deveria ter aberto inquérito para apurar o que aconteceu. Os dois casos são espantosos: o primeiro, de proposta de magnicídio - o assassínio do candidato favorito à Presidência; o segundo, de terrorismo puro e simples, com a morte sabe-se lá de quantas pessoas inocentes.

E, no caso da imprensa, cadê a repercussão?

O caso Watergate foi liderado do início ao fim, nos Estados Unidos, pelo Washington Post. Mas os outros jornais foram atrás, lutaram, conseguiram suas informações. Aqui é capaz de nem terem visto a entrevista do general.

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