quinta-feira, 9 de julho de 2009

ABERTA A TEMPORADA DE CAÇA A JORNALISTAS

Danilo Gentili - CQC - apanha no Senado da República
(Foto do Site www. estadao.com.br)



Que o Brasil é um lugar perigoso para o exercício da profissão de jornalista, isso é: está entre piores do mundo, conforme levantamentos de organizações mundiais como a Repórteres sem Fronteiras. Mas a situação ruim já ficou para trás: agora é péssima. Em pouquíssimos dias, seis pessoas no exercício da profissão de jornalistas foram insultadas e agredidas fisicamente; e uma sétima foi presa.

Em um caso, a agressão partiu de uma multidão de torcedores de futebol, pouco antes de uma partida decisiva (em que seu time perderia o título); em outro, de um segurança extremamente zeloso com o nervosismo de seu patrão e a manutenção de seu emprego – certamente mais bem remunerado e aquinhoado que o de seus colegas de profissão. Mas, em cinco casos, a agressão e as arbitrariedades ocorreram a sangue-frio.

Ou nos movimentamos, exigindo punições e acompanhando os processos, ou haverá muita gente achando que vai resolver seus problemas com a opinião pública agredindo – ou ferindo, ou prendendo, ou matando – os jornalistas.


CQC 1

Danilo Gentili, do programa CQC, comandado pelo jornalista Marcelo Tas, queria falar com o presidente do Senado, José Sarney, sobre a crise que enfrenta. Há quem diga que o pessoal do CQC é inconveniente; talvez o seja. Mas o que este colunista sempre aprendeu é que não há perguntas inconvenientes. O que pode ser inconveniente é a resposta.


A pergunta de Gentili versava sobre a perda de poder de Sarney, depois de tantos anos sem contestação. Um segurança nem o deixou aproximar-se: levantou-o pelos braços e jogou-o longe. Gentili, irritantemente calmo, perguntou do chão como Sarney se sentia tendo perdido poder. O presidente do Senado não respondeu. Mais tarde, o segurança procurou Gentili, encontrou-o e deu-lhe um soco. Pelo que diz a Polícia Legislativa, o segurança, por apelido "Picolo”, não é funcionário da Casa.


E a Polícia Legislativa, formada por funcionários da Casa, não se moveu para impedir que alguém que, nem funcionário é, agrida quem o incomoda.


CQC 2

Felipe Andreoli, do CQC, estava no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre, pouco antes do jogo em que o Inter perderia o título brasileiro para o Corinthians. Seu objetivo era gravar entrevistas com a torcida. Um grupo de torcedores do Internacional nem esperou que ele começasse: começou a xingá-lo e o atacou a socos e pontas-pé. Por sorte, um grupo de seguranças do Internacional interveio rapidamente, ajudado por alguns torcedores, e conseguiu proteger Andreoli e equipe. Mas o caro colega já pensou se os seguranças do Inter, que foram competentes e profissionais, agissem (ou não agissem) como a Polícia Legislativa?


ADVOGADO BRIGÃO

O advogado Francisco Rogério Del Corsi, defensor de Camila Dolabela, acusada de matar uma jovem num jogo de RPG, comportou-se mal a prestações. No primeiro dia, ao chegar ao Fórum de Ouro Preto, MG, no dia 1º de julho, jogou o carro contra uma repórter de TV, não conseguindo por pouco consumar o atropelamento. No dia 2, na porta do Fórum, deu um soco no fotógrafo do jornal Estado de Minas, Emmanuel Pinheiro. O soco acertou a máquina, que bateu no rosto de Pinheiro. Em seguida, ameaçou: "Depois encontro o senhor na hora em que o senhor quiser”. Voltando-se para o fotógrafo do jornal O Tempo, Bruno Figueiredo, insultou sua mãe. E esbravejou: "Vocês são vagabundos, despreparados. Vocês sequer têm diploma!”


Pois é: ele, o causídico, que xingou, agrediu e tentou atropelar, tem diploma.

A ARBITRARIEDADE

Thiago Guimarães, repórter do Diário da Região, de São José do Rio Preto, SP, numa reportagem sobre tráfico de drogas, comprou quatro pacotes de maconha, "para mostrar a facilidade com que se comerciam drogas na cidade”. Como conta, basta encostar o carro, pedir, pagar e receber. Não há qualquer risco de ser preso: durante todo o tempo em que fez a reportagem, Thiago Guimarães não encontrou nenhum carro policial. Em seguida, Thiago foi à Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes para entregar a maconha ao delegado Fernando Augusto Nunes Tede. O delegado não hesitou: prendeu o jornalista, "por adquirir droga sem autorização ou em desacordo com determinação legal” (artigo 33 da lei 11.343/06).


Naturalmente, o delegado estava errado: não pode ser preso por porte de drogas quem se apresenta por livre e espontânea vontade. Mas, se o jornal não tivesse encontrado rapidamente um advogado, Guimarães dormiria na cadeia e lá ficaria até conseguir um habeas corpus. Guimarães, o repórter, ficaria preso. Já o pessoal que vende maconha sem ser incomodado continua tranqüilo. Mas a Polícia promete investigar as denúncias do Diário da Região.Os sindicatos têm protestado contra a onda de violência, mas é pouco: é preciso haver mobilização geral contra a escalada de arbítrio e de agressões. Será ilegal ou anti-ético levantar as atividades dos que agem com violência e arbitrariedade contra os jornalistas e, se forem ilegais, publicá-las, tudo direitinho, com a versão de todas as partes e ampla documentação, para que eles tenham algo com que se preocupar além de agredir quem esteja trabalhando?


CURIOSIDADE MATINAL


Deve ter sido assim, com certeza. Um dia, o repórter acordou, tomou seu banho e, enquanto fazia a barba, pensou: será que o casal Nardoni não estará brigando? Seria uma bela história! Vamos verificar!


O casal Nardoni é o que foi acusado de matar a menina Isabella, 6 anos. Ambos estão presos, sem julgamento, há mais de um ano.


O repórter, em seu surto de curiosidade matinal, "tem acesso” (é uma maneira elegante de dizer que alguém, interessado no caso, forneceu informações que deveria manter sob sigilo) à correspondência trocada pelo casal e garante que a última carta de amor foi enviada por ele a ela, no fim do ano passado; e a resposta dela é, digamos, burocrática, sem manifestações de carinho, e tratando apenas de temas do dia-a-dia. E que, de lá para cá, as cartas são sempre triviais, sem expansões amorosas.


Temos então a reportagem: as cartas, que não podem ser mostradas; os advogados, que não ouviram falar do caso (logo, "não confirmam mas também não desmentem”), e uma ampla side-story mostrando que casais que cometeram crimes juntos normalmente se separam depois de presos. Ou seja, os dois, que não foram ainda nem submetidos a julgamento, já são apontados como autores do crime.


Pois é. Quantas vezes um repórter não procura uma empresa e diz algo como, "lendo o Diário Oficial agora de manhã, encontrei uma informação que gostaria de ampliar”, etc., etc?


Agora, diga: quantos jornalistas o caro colega conhece que têm, como hábito diário e matinal de leitura, o Diário Oficial?


TALEB, MAIS QUE AMIGO


Jorge Antônio Taleb, turcão expansivo, cordial, gente fina, excelente jornalista, amigo a toda prova, morreu há poucos dias, em Goiânia. Jorge Taleb conseguiu tudo na vida: exerceu a profissão de que gostava, do jeito que gostava. Casou-se com uma mulher inteligente, amorosa, profissionalíssima, bonita e elegante. Sua filha, Carolina, linda desde criancinha, nunca deu trabalho para estudar (nem para entrar direto na faculdade, nem para se tornar dentista). Seus amigos sempre foram capazes de brigar por ele. E ele foi capaz de, amigo de muitos políticos, de muitos empresários, de muita gente rica e poderosa, continuar vivendo de maneira simples, dispondo apenas daquilo que o trabalho incessante e honesto lhe proporcionou.


Você já está fazendo falta, Turcão! Desde que a tremenda luta contra o câncer começou, já faz mais de dois anos, Jorge Taleb começou a fazer falta. O câncer, mais o agressivo tratamento contra o câncer, deixaram-no fraco. Mas não parou de trabalhar: até os últimos dias, quando teve de ser internado e não mais deixou o hospital, escreveu seu blog, escreveu para o Diário da Manhã, conversou com os amigos – quase sem voz, quase sem forças, mas com o coração transbordante.


Os amigos goianos que me desculpem; mas, com a morte de Jorge Taleb, fica muito difícil visitá-los. Chegar ao aeroporto sem encontrar o Turco é como trazer de volta uma enxurrada de lembranças. Como explicar a quem estiver por perto o motivo das lágrimas em público?

(Texto do jornalista Carlos Brickmann, para o Observatório da Imprensa, em sua Coluna Circo da Notícia, do dia 07.07.2009)

2 comentários:

Paula Campos disse...

Apenas hoje me deparei com este texto e me sinto compelida a fazer uma breve consideração:
O advogado Francisco Rogério Del-Corsi Campos não só tem diploma, como também tem excelente e digna formação, larga experiência e ética profissional.
Não são os jornalistas que sofrem, mas todos aqueles que lutam e zelam por direitos e garantias COSNTITUCIONAIS.
Camila Dolabella, e aliás, todos os que foram levianamente acusados da morte de Aline, na cidade de Ouro Preto/MG) foram ABSOLVIDOS, porque os JURADOS (pessoas comuns da sociedade ouropretana) entenderam que eles não participaram do crime que vitmou Aline, pois, sequer jogo de RPG, ritual macabro houve, ou seja, não foram eles os assassinos de Aline e nem estes o motivo do homicídio. Decisão esta, que bem recentemente foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais que confirmou o julgamento e a absolvição de todos os que foram acusados.
É por esta razão, que um advogado lutou tanto para que se preservasse a liberdade, a imagem, a privacidade e a dignidade humana daqueles que foram quase execrados em praça pública por um crime que NÃO COMETERAM, mas que os meios de comunicação (parece-me que por ser uma "história" interessante e que geraria certo "ibope") divulgaram, sem buscar maiores informações e informações mais responsáveis. Portanto, não foi o advogado o vilão, mas alguns profissionais dos meios de comunicação que cometeram a barbárie de julgar e condenar antecipadamente pessoas inocentes, em busca de furos de reportagem.
Daí dizer que o advogado não é brigão, ele é sim, ético, zeloso, comprometido com a justiça, com o Direito e com a defesa de quem sabia inocente.
Pois bem. Será mesmo então, que neste caso, foi ele quem se comportou mal?
Estou falando de ume defesa séria, comprometida com a Justiça e com a inocência de seres humanos, não de qualquer circo que se queira montar.
Paula Campos.

Vania Mara Welte disse...

Cara Paula!

Grata pela sua informação, a qual veiculo aqui para esclarecer o lado
dessas pessoas acusadas, como você mesma afirma, e a justiça já declarou: são inocentes.

Grata também por acompanhar este Blog. Fique à vontade para participar deste espaço.

Mais vez, grata.

Abraços fraternos;

Vania Mara Welte